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Foto do escritorEdrin Vicente

Técnicas de neurofisiologia intraoperatória em território de nervo facial

Atualizado: 2 de jul.


Monitorização Neurofisiológica

Intraoperatória (MNIO) em território de nervo facial


O que a NIOM oferece em cirurgias no território do n. facial?

  • Registro livre de miografia: Detecção instantânea de sinais de manipulação ou lesão de nervos com diferenciação entre manipulação e lesão.

  • EMG estimulada: Mapeamento de proximidade de ramo nervoso para planejamento de acesso, identificação de ramo nervoso visível, verificação de integridade de segmento distal ao estímulo, detecção de proximidade de índices de mau prognóstico, contribuindo para decisões sobre o momento adequado para interromper a ressecção de um tumor.

  • Potenciais motores transcranianos: Monitorização intermitente de integridade de toda via motora. Nota: em apenas uma fração dos pacientes essa técnica consegue colher respostas consistentes

CUIDADOS TÉCNICOS

  • Eletrodos para captação: Usar sempre eletrodos de agulha. Eletrodos de superfície não tem sensibilidade suficiente para detecção dos padrões significativos com a técnica de registro livre de miografia.

  • Cobertura da captação: Entre as 5 ramificações do facial na parótida, aquelas cuja lesão traz maior prejuízo, e portanto devem ser cobertas quando em risco, são o território dos ramos temporal e zigomático (posicionar par de agulhas subdérmicas no orbicular dos olhos acima e abaixo da órbita), o ramo bucal (agulhas em nasalis e porção superior do orbicular da boca) e o ramo marginal mandibular (agulha em porção inferior do orbicular da boca e mentalis).

  • Parâmetros de captação: para diferenciar trens tipo A de Bursts ou artefatos recomenda-se uma varredura ao redor de 20ms/divisão e sensibilidade de 50mcV/divisão, com uma banda de passagem de ao menos 20 a 1000Hz.

  • Anestesia e bloqueio neuromuscular: Bloqueio neuromuscular pode suprimir o tipo de atividade miográfica que tem o maior valor na monitorização. Verifique a ausência de bloqueio com a técnica de trem de 4 pulsos aplicada, por exemplo, em mediano ou tibial. Caso se use também a técnica de potenciais motores transcraniano, é essencial o uso de anestesia intra-venosa total, já que mesmo concentrações de agentes inalatórios ao redor de 0.5 MAC podem levar a abolição completa dessas respostas.

  • Proteção de língua: Caso seja usada a técnica de potenciais motores transcranianos, não esquecer de posicionar proteção de mordida de língua bilateralmente.

  • Estimulação: Ao usar estimulação monopolar, conecte o cátodo (pólo - , preto) à sonda e posicione o ânodo (pólo +, vermelho) fora do território do facial, preferencialmente contralateral, para evitar que a estimulação pelo ânodo provoque um falso positivo.


Cobertura da captação:

Usar ao menos 3 pares de agulhas subdérmicas nas seguintes posições



REGISTRO LIVRE DE MIOGRAFIA

  • Padrões de atividade: A classificação de Romstöck identifica 5 padrões com diferentes significados: spikes, bursts e trens tipo A, B e C.

  • Spikes: Cada morfologia, em geral, representa ativação de uma unidade motora. Formato típico tem 2 ou 3 fases, dura menos de 20ms, com amplitude abaixo de 2000µV.

  • Bursts: Grupo de spikes superpostos com duração até centenas de milissegundos, amplitude até 5000µV e contorno em "fuso", denotando ativação gradual do conjunto de spikes. Tipicamente afetam múltiplas divisões de um nervo.

  • Trens tipo B: Spikes ou bursts repetitivos (a uma frequência maior que 2 hz), regular ou irregularmente, com duração desde segundos até horas e geralmente de início de final graduais.

  • Trens tipo C: Atividade miográfica contínua com abundante sobreposição de spikes, semelhante à contração muscular voluntária, com amplitude oscilando entre 20 até 5000µV.

  • Trens tipo A: Atividade de início abrupto e padrão "sinusoidal" com frequência de 60 a 210Hz e pouca variação de frequência dentro de cada trem (menos de 20Hz de variação). Amplitude ao redor de 100 a 200µV (nunca acima de 500µV) e geralmente acometem apenas uma subdivisão do nervo. Duram desde milissegundos até vários segundos e eventualmente aparecem como trens curtos repetitivos.


  • Significado:

Atividade sem relação com manipulação cirúrgica: Trens dos tipos B ou C, além de spikes e bursts isolados, podem surgir espontaneamente, em especial quando a anestesia é mais superficial, e em fases mais "dolorosas" do procedimento, como a abertura de pele ou periósteo.

Atividade relacionada a manipulação indireta: Bursts com amplitude abaixo de 500µV podem tanto surgir espontaneamente como em resposta a manipulação indireta do nervo (ao se tracionar ou remover alguma estrutura ou tumor que tenha contato com o nervo, por exemplo). Ao observar esse tipo de burst, cabe perguntar ao cirurgião para verificar se há correlação, mas tal atividade não deve caracterizar alerta.

Atividade relacionada a manipulação direta: burts com grande amplitude (acima de 500µV) geralmente indicam manipulação muito próxima a nervos. Caso o nervo não esteja ainda visível, sua ocorrência é boa ocasião para mapear a proximidade ou identificar ramos nervosos com EMG estimulada. Mesmo bursts abundantes, no entanto, não se relacionam a déficit no pós-operatório. Seu valor, portanto, é apenas alertar sobre manipulação direta. Trens do tipo B ou C com surgimento mais abrupto e frequência acima de 30Hz, chamados descargas neurotônicas, podem também surgir por manipulação direta de nervos. Cautela, no entanto, com trens semelhantes que podem ser produzidos pela simples irrigação do campo operatório, sem que isso tenha qualquer importância clínica ou significado que merecesse ser informado cirurgião.

Atividade relacionada a lesão: Trens tipo A tem alta correlação com lesão e déficit no pós-operatório. Entre os 30 pacientes do estudo de Romstock, em 2000, a presença de trens tipo A teve sensibilidade de 86% para detecção de déficit no pós-operatório. Entre 40 pacientes em estudo de Prell, em 2007, a presença de mais de 0.5 segundo de trens tipo A teve sensibilidade de 81% para prever alguma deterioração de função no grupo de pacientes sem déficit prévio. No grupo como um todo (incluindo aqueles com déficit prévio), a presença de mais de 10 segundos de trens tipo A teve sensibilidade de 67% para prever deterioração de 2 ou mais graus na escala de House Brackmann.


Falsos negativos: Em estudo de 2007, de Prell, em um grupo de 40 pacientes, a presença de mais de 0.5 segundo de trens tipo A levou a falso negativo em 19%, provavelmente por trauma abrupto (como causado por cautério ou por transecção rápida) ou lesão isquêmica, que podem não produzir atividade espontânea.


Falsos positivos: Em mais de 50% dos pacientes, fibras motoras para a musculatura perioral e paranasal também são encontradas no nervo intermédio (Prell 2015), podendo produzir abundantes trens tipo A em caso de lesão de intermédio, apesar disso geralmente não se traduzir em nenhum déficit motor, já que o intermédio é fundamentalmente sensitivo e autonômico. Cautela, portanto, ao interpretar trens tipo A quando o nervo intermédio também é exposto.

















































MIOGRAFIA DE ESTIMULAÇÃO

  • Conceitos fundamentais:

Polaridade da estimulação: Ao usar sonda monopolar, conecte a sonda ao cátodo (preto, negativo) e a agulha de retorno ao ânodo (vermelho, positivo). Ao usar sonda bipolar, posicione o cátodo distal e o ânodo proximal. Isso é necessário porque ao aplicar uma corrente ao longo do eixo dos axônios, devido à maior resistência intracelular e ao potencial de repouso com polaridade extracelular positiva, potenciais de ação são gerados mais facilmente sob o pólo catódico do estimulador.

Focalidade da estimulação: Com sonda bipolar ou concêntrica, em que cátodo e ânodo estão muit próximos, a estimulação ficará bem mais focal, e portanto com menor possibilidade de induzir a um falso positivo por uso de corrente mais alta. Com sonda monopolar, em que cátodo e ânodo estão distantes, haverá uma relação mais linear entre distância do nervo e intensidade de estimulação (particularmente ao se usar estimulação com base em voltagem), sendo o formato de sonda ideal para identificar proximidade de nervo.

  • Parâmetros de estimulação:

Ao escolher parâmetros de estimulação, preste atenção não apenas à intensidade de pulso como à largura e à frequência. Se o mínimo para obter uma resposta com a largura de 200µs, por exemplo, foi 0,1mA, com a largura de 50µs o valor mínimo pode ser até 4 vezes maior. A carga (corrente x tempo), dentro de uma faixa de variação de largura ao redor da "cronaxie" (veja no gráfico adiante), tem uma relação mais linear com o limiar do que puramente a intensidade.

  • As larguras mais usadas estão entre 50 e 200µs. Mesmo com largura de apenas 50µs, se a sonda estiver em contato direto com um nervo íntegro, mais de 90% dos nervos responde com intensidades de até 0.3mA (Schmitt 2013). Em nervos com algum grau de disfunção, intensidades de até 5mA com largura de 200µs podem ser necessárias para se obter resposta máxima.

  • Usos da estimulação:

Identificar se é seguro ressecar uma estrutura visível: Nessa situação, é crítico minimizar os "falsos negativos", e para isso deve-se aplicar ao menos 0.5mA, largura de 200µs e frequência de 3.1Hz (evitar frequência múltiplo de 60Hz), aumentando até 2 ou mesmo 5mA, na ausência de resposta a intensidades menores. Com sonda monopolar, no entanto, o uso de intensidades maiores começa a gerar "falsos positivos", o que pode ser evitado com sonda bipolar ou concêntrica ou com ajuste criterioso das intensidades usadas como critério de "corte" correlacionadas pelo cirurgião com a anatomia.


Identificar se há algum ramo nervoso próximo (planejamento de acesso): Se o objetivo é verificar a proximidade de um ramo nervoso(estimulando através de um tumor, por exemplo, para encontrar a via mais segura de abordagem), é fundamental usar sonda monopolar com intensidades de 2 até 5ma e largura de 200µs. Quanto maior a intensidade necessária para obter uma resposta, maior a distância do nervo, mas, em tecidos não-homogêneos, essa relação não é linear, portanto não é possível estimar com precisão razoável a distância do nervo com base no limiar de resposta.


Decidir quando interromper a ressecção: Embora com limitações, já que técnicas de condução não conseguem diferenciar bloqueio de condução (neuropraxia) de ruptura axonal hiperaguda(axonotmese ou neurotmese), há índices neurofisiológicos que podem contribuir com a decisão do momento adequado para interromper a ressecção. O mais útil é o índice de queda de amplitude com estimulação supra máxima proximal/supra-máxima distal. Na experiência de Schmitt e Link com 267 pacientes (J Neurosurg 2013), quando o índice de queda de amplitude foi ≥75%, o fração com HB IV a VI a longo prazo foi de 46%. Uma queda menor que 75% indica bom prognóstico em 87% dos pacientes (HB I a III). Tais índices foram observados em uma populaçao com a seguinte distribuição de prognósticos: 267 pacientes operados, 109 pacientes (41%) com déficit significativo no pós-operatório imediado(HB III a VI), 43 desses (16%) permaneceram com déficit importante a longo prazo (HB III a VI), 15 desses (5.6%) com HB definitivo entre IV e VI. Outro índice estudado foi a intensidade limiar de resposta. 94% dos pacientes no estudo de Schmitt tinham limiar de resposta com 0.1, 0.2 ou 0.3mA na largura de 50µs, mas esse índice em nada contribuiu para estimar prognóstico a longo prazo, mesmo quando combinado ao índice de queda proximal/distal.


  • Nota sobre a frequência de estimulação

A preocupação com a frequência de repetição dos pulsos é mais relacionada à segurança. Taxas de repetição abaixo de 5Hz já são suficientes para mapear rapidamente e estão bastante distantes dos 50Hz que foram associados a lesão nervosa quando combinados a alta densidade de carga (Agnew e McCreery 1988).


Cronaxie e Reobase - a importância da largura de pulso

Reobase é a intensidade mínima de estímulo necessária para obter uma resposta quando usado um pulso de duração muito longa. Cronaxie é a largura de pulso em que, com o dobro da intensidade da reobase, se obtém uma resposta. Note como, com a redução da largura de pulso, a intensidade mínima aumenta em formato exponencial.


Atenção à varredura e sensibilidade


Com base em um velocidade de condução de 50m/s, espera-se uma latência de cerca de 0.2ms/cm de nervo + 1ms (junção neuromuscular). No facial, uma varredura de 2.5ms/divisão, portanto, é adequada. Ao estimular próximo do limiar (como na imagem á direita), use sensibilidade ao redor 100µV por divisão. Ao estimular acima do limiar (imagem à esquerda), ao redor de 500µV/divisão. Note como a morfologia é variável em ambos exemplos acima, um sinal de que a estimulação está abaixo do limite de máxima resposta (estimulação submáxima). A cada novo estímulo submáximo, grupos diferentes de axônios podem ser estimulados, mesmo que não se mude a intensidade.


Índice de queda distal com estimulação supramáxima(Schmitt e Link 2013):

Captação: nasalis ipsilateral referenciado a nasalis contralateral. Vantagem do Nasalis é a menor contaminação pela estimulação direta de masseter.

Estimulação: par de agulhas com cátodo posicionado no forame estilo mastóide (entre mastóide e borda anterior da mandíbula, logo abaixo do conduto auditivo) e ânodo pré-auricular.




Interpretação

1-(Amplitude proximal supra-máxima com largura de 50µs)/(Ampl distal supra-máxima com largura de 100µs):

≥75%: 46% tem paresia importante a longo prazo (HB IV a VI)

<75%: 13% tem paresia importante a longo prazo (sensibilidade de 87% para detectar prognóstico ruim).



Referências:

  • 1: Romstöck J, Strauss C, Fahlbusch R. Continuous electromyography monitoring of motor cranial nerves during cerebellopontine angle surgery. J Neurosurg. 2000 Oct;93(4):586-93.

  • 2: Prell J, Rampp S, Romstöck J, Fahlbusch R, Strauss C. Train time as a quantitative electromyographic parameter for facial nerve function in patients undergoing surgery for vestibular schwannoma. J Neurosurg. 2007 May;106(5):826-32.

  • 3: Sala F. Take the A Train. Clin Neurophysiol. 2015 Sep;126(9):1647-9.

  • 4: Prell J, Strauss C, Rachinger J, Scheller C, Alfieri A, Herfurth K, Rampp S. The intermedius nerve as a confounding variable for monitoring of the free-running electromyogram. Clin Neurophysiol. 2015 Sep;126(9):1833-9.

  • 5. Schmitt WR, Daube JR, Carlson ML, Mandrekar JN, Beatty CW, Neff BA, Driscoll CL, Link MJ. Use of supramaximal stimulation to predict facial nerve outcomes following vestibular schwannoma microsurgery: results from a decade of experience. J Neurosurg. 2013 Jan;118(1):206-12.

  • 6.McCreery DB, Agnew WF, Yuen TG, Bullara LA. Comparison of neural damage induced by electrical stimulation with faradaic and capacitor electrodes. Ann Biomed Eng. 1988;16(5):463-81.

  • 7.Schmitt WR, Daube JR, Carlson ML, Mandrekar JN, Beatty CW, Neff BA, Driscoll CL, Link MJ. Use of supramaximal stimulation to predict facial nerve outcomes following vestibular schwannoma microsurgery: results from a decade of experience. J Neurosurg. 2013 Jan;118(1):206-12.





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