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Tecnologia e Neurofisiologia da estimulação magnética transcraniana

Atualizado: 8 de dez. de 2022

(1.1/5) - Indução eletromagnética e bobinas de EMT

Introdução

A estimulação magnética transcraniana permite aplicar correntes elétricas da ordem de até 10mA em uma área de córtex com cerca de 10cm². Isso é possível através do fenômeno de indução eletromagnética. Correntes elétricas repetitivas em certas populações de neurônios e em certos padrões geram reforço ou enfraquecimento na conectividade sináptica através da cascata de eventos neuroquímicos e epigenéticos responsável pelos processos de aprendizado e memória. A mudança de atividade sináptica em um ponto de um rede nervosa pode gerar mudança no equilíbrio ao longo dessa rede. Em depressão, dor crônica e outras condições, há mudanças bem documentadas na atividade, reatividade e conectividade ao longo de redes nervosas.

Para uma visão do mecanismo de ação da estimulação magnética iremos desenvolver a compreensão desses 4 pontos: indução eletromagnética, processos celulares de aprendizado e memória, redes nervosas e alterações neurobiológicas na depressão. Embora esse resumo inclua temas que em geral são associados a pesquisa básica, selecionamos os conceitos que julgamos de relevância para a prática clínica, por sua contribuição para que o clínico formule hipóteses sobre o mecanismo da doença, proponha tratamentos, saiba comunicar com clareza ao paciente a razão de suas recomendações e tenha elementos para modificar sua abordagem quando a evolução não segue o curso desejado.



(1.2/5) - Indução eletromagnética e bobinas de EMT

A indução eletromagnética é o mesmo fenômeno que explica o funcionamento de um transformador. Em um transformador, uma oscilação de 220V em uma bobina é transformada em uma oscilação de 110V em outra bobina. Na estimulação magnética transcraniana, uma oscilação de 1800V em uma bobina é transformada em uma oscilação de 10V no córtex cerebral.



ELETRICIDADE E MAGNETISMO SÃO MANIFESTAÇÕES DE UMA MESMA FORÇA

Cargas elétricas estáticas não geram campo magnético. Já cargas elétricas em movimento geram um campo magnético transversal a esse movimento.








Figura 1. Linhas de campo magnético ao redor de um condutor quando atravessado por uma corrente.


Se uma bússola for posicionada ao lado de um fio condutor ligado a uma fonte de corrente contínua, o ponteiro da bússola irá se alinhar de maneira transversal ao fio no momento em que a corrente for ligada e voltará a se alinhar ao campo magnético da terra ao desligar a corrente. Quanto maior a intensidade de corrente maior o campo magnético gerado.



Figura 2. Demonstração de Oersted em 1820: Uma corrente elétrica (passando pelo condutor em ilustrado pela seta vermelha) gera um campo magnético perpendicular (veja o ponteiro da bússola alinhado a esse campo, no sentido da seta azul).



(1.3/5) - Indução eletromagnética e bobinas de EMT

CORRENTE ATRAVÉS DE CONDUTOR EM FORMATO DE BOBINA FORMA CAMPOS MAGNÉTICOS COM INTENSIDADE PROPORCIONAL AO NÚMERO DE ESPIRAS


Se um condutor for enrolado em formato de bobina, os campos magnéticos transversais produzidos pelo movimento da carga irão se sobrepor e o campo magnético resultante será mais forte. Quanto mais voltas o fio der sobre si mesmo, mais linhas de campo magnetico irão se sobrepor e mais forte será o campo magnético. Assim funciona um eletroímã.




Fig 3. Com o condutor em formato de bobina, os campos magnéticos de cada espira se sobrepõem e campo resultante aumenta na razão do número de espiras







(1.4/5) - Indução eletromagnética e bobinas de EMT

A DISTRIBUIÇÃO DO CAMPO MAGNÉTICO DEPENDE DA DISTÂNCIA, TAMANHO E FORMATO DA BOBINA QUE O GEROU


Distância: As linhas de campo magnético sempre tem 2 pólos. Se o campo magnético irradiasse livremente e de maneira divergente a partir de uma fonte, a sua intensidade decairia com o quadrado da distância, mas como toda linha que sai do norte magnético é atraída de volta ao sul, o número de linhas de campo magnético decai ainda mais, em relação inversa com o cubo da distância ao centro do dipolo. Dimensões da bobina: Como o campo magnético não irradia de um ponto, mas de um dipolo, o decaimento de intensidade com a distância leva em conta também as dimensões e o formato desse dipolo. Com uma bobina maior, o alcance do campo magnético é maior.





Fig 4.1. Luz com irradiação divergente: a densidade das linhas decai com o quadrado da distância (1/r²)







Fig 4.2. Campo magnético com irradiação de volta à origem: densidade das linhas decai com o cubo da distância (1/r³)







Fig 5. Para um campo magnético maior, é necessário uma bobina maior, como ilustra a bobina de um sistema de imagem por ressonância magnética, em que o paciente “entra” na bobina





Formato da bobina: Com 2 fontes de energia linear, como feixes de laser, dirigidas a um mesmo alvo, é possível aplicar energia maior no cruzamento desses feixes do que em pontos mais próximos de cada fonte. Com 2 fontes de energia cuja irradiação é divergente, já não é possível obter somação no cruzamento à distância a ponto de superar a energia em pontos mais próximos de cada fonte. Com um campo magnético, em que as linhas não são apenas divergentes, mas se voltam a sua origem, a somação é ainda mais limitada.


Essa propriedade impede a existência de uma bobina em que a estimulação profunda é maior que a estimulação na superfície.


Simulações computacionais (Koponen 2015) permitem calcular o desenho ideal de bobina para minimizar o decaimento e ainda manter a focalidade. As características desse layout ideal são:


a. A densidade de linhas da bobina deve ser maior na área em que se deseja maior focalidade

b. As espiras não devem ter ângulos, que geram perda de energia e não afetam o campo magnético à distância

c. O trajeto de cada espira deve seguir a curvatura do crânio da área alvo de estimulação


Essa bobina ideal assemelha-se a uma bobina duplo cone, com angulação escolhida conforme a curvatura do crânio no alvo de estimulação. Como demonstrou o trabalho de Deng e Peterchev de 2013, as bobinas mais profundas são as bobinas com maior tamanho e o formato com melhor equilíbrio entre focalidade e profundidade é de bobinas em duplo cone.





Fig 6. Bobina “ideal” (Koponen 2015), com espiras acompanhando a curvatura do crânio.












(1.5/5) - Indução eletromagnética e bobinas de EMT

O CAMPO MAGNÉTICO SE PROPAGA MESMO NO VÁCUO, MAS MATERIAS COMO O FERRO TEM MAIOR “PERMEABILIDADE” AO CAMPO MAGNÉTICO


Em um transformador, 2 bobinas são colocadas próximas uma da outra, com uma delas dentro do campo magnético da outra. Para diminuir a dispersão de campo magnético entre as bobinas, elas são unidas por um núcleo de ferro, que tem permeabilidade a campos magnéticos milhares de vezes maior que o vácuo ou o ar.


Embora não se possa unir a bobina de estimulação magnética ao córtex por um núcleo de ferro, como em um transformador, a inclusão de um núcleo de ferro no trajeto das linhas de campo magnético ao redor da bobina, como ocorre em alguns modelos de bobina, diminui a dispersão de campo. Embora isso aumente a eficiência da bobina, a maior densidade de linhas na superfície também gera maior desconforto na estimulação



Fig 7. Bobina com núcleo de ferro, “à maneira de um transformador”








(1.6/5) - Indução eletromagnética e bobinas de EMT

ASSIM COMO CARGAS ELÉTRICAS EM MOVIMENTO GERAM FORÇA MAGNÉTICA, CAMPOS MAGNÉTICOS EM MOVIMENTO GERAM FORÇA ELÉTRICA


Campos magnéticos constantes não geram força elétrica. Só a oscilação de campos magnéticos é capaz de gerar força elétrica. Quanto mais rápido varia o campo e quanto maior a carga movida para gerar esse campo, maior será a força elétrica gerada. Esse é o princípio da indução eletromagnética, revelado por Faraday em 1831 e formulado matematicamente por Maxwell em 1861.







Fig 8. A terceira equação de Maxwell. O campo elétrico (E) gerado por indução eletromagnética tem sentido contrário ao da força elétrica original (sinal negativo)e é proporcional à intensidade de mudança de campo magnético (dB) e rapidez com que ocorre essa mudança (dt= variação de tempo)




Fig 9. Experimento de Faraday de 1831: ao introduzir ou retirar um eletroímã de dentro de uma bobina, uma corrente transitória é gerada no circuito da bobina







Fig 10. Demonstração didática do experimento de Faraday: ao ligar o eletroímã à esquerda, uma breve corrente é gerada no circuito da bobina à direita. Ao desligar o eletroímã, uma corrente de sentido oposto à primeira é gerada. Nesse exemplo as bobins estão interligadas por um núcleo de ferro para reduzir a dispersão das linhas de campo magnético




Fig 11. A força elétrica gerada no tecido biológico é paralela e com sentido contrário à força elétrica na bobina




(2/5) - Funcionamento de um equipamento de estimulação magnética repetitiva


Para que uma corrente elétrica com focalidade ao redor de 10cm² possa despolarizar axônios no córtex, ela deve ter intensidade até 10mA, duração de 200 a 300µs e sentido ao longo dos axônios. Esses parâmetros são conhecidos desde experimentações com estimulação direta de córtex durante cirurgias, cujo pioneiro foi Wilder Penfield, nos anos 40.


Os parâmetros físicos do equipamento e o layout das bobinas necessários para gerar essa corrente a partir de uma fonte a cerca de 2 ou 3cm do córtex podem ser calculados com precisão usando-se as equações de Maxwell.


A magnitude da carga a ser movida e a voltagem necessária para movê-la com rapidez são tais que requerem a transformação de voltagem para valores na faixa de 1400 a 2800 V e seu armazenamento em capacitores.


O tempo de descarga é influenciado também pelo valor da capacitância. Se a capacitância é muito grande, pode-se armazenar uma carga maior e ter maior indução eletromagnética, mas o tempo de descarga se prolonga e isso torna a indução menos eficaz. É preciso um equilíbrio entre capacitância e velocidade de descarga do circuito para obter a largura e intensidade ideais para estimulação de axônios.


Um dispositivo eletrônico chamado tiristor controla a abertura e fechamento do circuito que descarrega a carga dos capacitores através da bobina e um circuito monitora a carga dos capacitores mantendo a voltagem necessária e recarregando-os a cada novo disparo.



Para otimizar a estimulação repetitiva em altas frequências, o estimulador magnético inclui um circuito que consegue reaproveitar parte da descarga inicial do capacitor para gerar um pulso no sentido oposto e restaurar parte da carga original. Por isso é mais fácil fazer estimulação repetitiva com pulsos bifásicos.




Fig 12. Em um sistema de pulso bifásico, um circuito permite restaurar parte da carga original do capacitor ao invés de dissipar a corrente através de um resistor









Fig 13. Elementos fundamentais de um equipamento de estimulação magnética transcraniana






(3.1/5) Interação entre o campo elétrico induzido e córtex


REOBASE E CRONAXIE. A DURAÇÃO DE UM PULSO ELÉTRICO IDEAL PARA ESTIMULAR AXÔNIOS É PRÓXIMA DE 200µS

Ao fazer estimulação direta de nervos por pulsos elétricos no córtex cerebral, observamos que tanto a intensidade como a duração do pulso definem o mínimo necessário para que surja nos axônios um potencial de ação. Abaixo de uma voltagem mínima, mesmo um pulso bastante longo não é capaz de gerar potencial de ação. Essa voltagem mínima é chamada de reobase. Com voltagens acima da reobase, é possível obter resposta com duração de pulso progressivamente mais breve. Em larguras muito estreitas, a voltagem necessária passa a ser muito alta. A largura de pulso ideal para estimulação em geral corresponde à largura correspondente ao dobro da voltagem da reobase. Esse parâmetro é chamado de cronaxie. Embora essa largura de pulso, a cronaxie, varie conforme o tipo de neurônio, no córtex ela se situa ao redor de 200 a 300µs, e é por isso que a largura de pulso dos sistemas de estimulação magnética fica ao redor desse valor




Fig 14.A reobase é a voltagem mínima para obter resposta na maior largura de pulso possível. A cronaxie é a duração mínima de pulso para obter resposta quando a voltagem é o dobro da reobase










O SENTIDO DA CORRENTE ELÉTRICA IDEAL PARA GERAR POTENCIAL DE AÇÃO É PARALELO AOS AXÔNIOS OU PRÓXIMO A CURVATURAS NO SEU EIXO


O intracelular tem -70mV em relação ao extracelular. O potencial de ação é gerado quando a redução dessa diferença abre canais de sódio voltagem dependentes.


Como a resistência elétrica do intra-celular é bem mais alta que no extracellular, ao submeter o axônio a um campo elétrico, o movimento de cargas ao longo de um trajeto intracelular cria um gradiente transmembrana. Quanto mais longo o trajeto intracelular ou se o axônio tem uma tortuosidade ao longo desse trajeto, mais provável que se forme um ponto de despolarização transmembrana.


Por essa razão, a despolarização tende a ocorrer quando o campo elétrico é aplicado no mesmo eixo do sentido dos axônios, particularmente em pontos nos quais os axônios mudam de trajeto.





Fig 15.A despolarização através da membrana é favorecida pelo gradiente elétrico ao longo do trajeto intracelular (com maior resistência) (b), pelo gradiente gerado por um mudança na direção do axônio (c) ou pelo término do trajeto (e). O gradiente entre membranas opostas do axônio (d) é muito pequeno, por isso a estimulação com vetor transversal é menos eficaz.


(3.2/5) Interação entre o campo elétrico induzido e córtex



Na dimensão macroscópica, a estimulação tende a provocar potenciais de ação preferencialmente no ápice e nos “lábios” dos giros corticais, onde há mais curvatura de axônios, como demonstrou Thielscher em 2011.


Outra demonstração desse fenômeno se vê no fato do limiar motor ser mais baixo quando se posiciona a bobina de maneira transversal ao sulco central, portanto expondo mais lábios de giros ao seu campo elétrico





Fig 16.Simulação computacional demonstrando como a despolarização é maior nos “lábios” dos giros, e favorecida por angular a bobina de maneira transversal a sulcos. (Neggers 2015)



Como o campo elétrico gerado pela estimulação magnética tem sentido tangencial ao córtex, outra consequência dessa relação entre campo elétrico e axônios é que os axônios córtico-corticais (paralelos ao campo elétrico) são mais estimulados que os axônios de projeção córtico-subcortical (ortogonais ao campo elétrico)






Fig 17.Imagem ilustrando o sentido das fibras córtico-corticais e das fibras de projeção.



(4.1/5) Estimulação repetitiva e os processos celulares de aprendizado e memória


POTENCIAÇÃO E DEPRESSÃO DE LONGO PRAZO

Toda informação de nossos sentidos chega à consciência por meio de impulsos elétricos, potenciais de ação, e todos os nossos processos de memória e aprendizado dependem de codificação desses potenciais de ação em fortalecimento ou enfraquecimento de sinapses.


Se algo é lembrado, é porque as sinapses percorridas durante o estímulo original estão reforçadas. Memórias são sinapses reforçadas.


Em 1966, o norueguês Terje Lomo, em experiências com cérebro de coelho, descobriu que trens de estimulação elétrica repetitiva a 12Hz por 10 segundos facilitavam a transmissão sináptica de maneira persistente. É o fenômeno da potenciação de longo prazo. Posteriormente, descobriu-se que trens prolongados por 10 a 15 minutos e em frequência baixa, de 1Hz, induziam o fenômeno oposto, depressão da transmissão sináptica.


Em 1986, Larson e Lynch demonstraram que a estimulação elétrica em um padrão que imita o ritmo adotado pelos neurônios do lobo temporal especializados em memória, em que bursts de 3 pulsos com intervalo de 20ms entre si, repetidos na faixa de frequência theta, a 5Hz, geram com mais eficiência um reforço ainda mais intenso e duradouro do que a estimulação com pulsos isolados de alta frequência.


Ou seja, há padrões de estímulação que codificam facilitação e outros que codificam inibição da transmissão sináptica e há padrões que carregam essa codificação de maneira mais eficiente.





Fig 18.Terje Lomo. O descobridor do fenômeno de potenciação de longo prazo.









(4.2/5) Estimulação repetitiva e os processos celulares de aprendizado e memória



CONSOLIDAÇÃO DA MEMÓRIA

Uma única sessão de estimulação já é capaz induzir alterações sinápticas que persistem por horas, mas para que essas alterações se consolidem e prolonguem por semanas ou meses é preciso repetição das sessões. Esse processo de consolidação ocorre pela ativação de uma sequência de alterações químicas, enzimáticas e na expressão de genes (chamadas “alterações na epigenética”). O termo “alteração epigenética” indica uma alteração na expressão de um gene e não na sua sequência. A expressão de genes é reguladas por acetilação e deacetilação de histonas, proteínas que envolvem o DNA e inibem sua transcrição. Os processos epigenéticos também são sujeitos a outra formaas de modulação. O valproato, por exemplo, inibe a deacetilação de histonas. Isso gerou especulação do uso do valproato como promotor de memória ou como potencializador dos efeitos da EMT. As primeiras etapas do processo de consolidação envolvem ativação de receptores de NMDA, entrada de cálcio e ativação de enzimas que induzem migração de novos receptores AMPA para a membrana pós-sináptica Nas etapas seguintes, há sinalização para o núcleo através de mensageiros secundários (adenil ciclase, cAMP, ativação de PKA e PKC, ativação de MAP quinase, fosforilação de CREB, ligação com CBP, acetilação de histonas), que levam a abertura de cromatina do DNA e ativaçao de transcrição de fatores de crescimento de novas sinapses e de PKM-zeta, que leva a aumento duradouno no número de receptores AMPA pós sinápticos, sem depender da ativação por entrada de cálcio.

Ao invés de neurofisiologia da EMT, pode-se, portanto, falar em neurobiologia da EMT, pois neurofisiologia remete em geral apenas a fenômenos elétricos, e, no uso terapêutico da EMT, há consenso de que os efeitos terapêuticos são resultado da ativação dessa complexa cascata de eventos intracelulares.


Para entender como alterações sinápticas se relacionam com sintomas neurológicos e psiquiátricos, é necessário também explorar como se organizam as cadeias de estruturas nervosas, as redes nervosas, e que tipo de alteração há nessas redes nervosas na patologia que se pretende tratar. Usaremos como modelo a depressão.




Fig 19.O processo de consolidação de memória (Kandel , Principles of Neuroscience, Ed. 2012)















(5.1/5) Redes nervosas na depressão

Quando se prescreve um inibidor de recaptação de serotonina, é comum explicar ao paciente que ele tem um desequilíbrio químico no cérebro, uma “deficiência de serotonina”, que o medicamento vai corrigir. Quando se prescreve a EMT, é comum explicar que a atividade no cortex frontal dorsolateral esquerdo está reduzida, e a EMT vai aumentá-la.


Essas simplificações tem algo de verdadeiro e tem sua utilidade, ao menos na comunicação com o paciente, mas estão longe de explicar a diversidade da doença e sua resposta ou ausência de resposta ao tratamento.


Com a evolução de técnicas de neuroimagem funcional nos últimos 10 anos, já se atingiu consenso de que os mecanismos de alto nível presentes em distúrbios de humor envolvem disfunção nas redes envolvidas na regulação do humor, ao menos nas formas bipolares ou unipolares mais graves.


Técnicas de imagem funcional permitem enxergar não só o grau de atividade em regiões bem delimitadas do cérebro, como também mapear como e em que intensidade estruturas distantes interagem entre si e como reagem a estímulos complexos.




A partir de imagens que mostram as mudanças no teor de oxi e deoxihemoglobina durante o repouso ou realização de tarefas é possível criar índices de conectividade entre regiões do encéfalo.



No passado o conceito de redes se baseava apenas na conexão estrutural, anatômica, entre os elementos e sua função era deduzida a partir de observação das consequências de lesões em alguns elementos, como nos casos de Phineas Gage ou de Henry Molaison.



O conceito atual de redes nervosas define cadeias de estruturas no sistema nervoso ligadas não por anatomia, mas por seu funcionamento, de maneira que uma estrutura regula ou é regulada por outra estrutura nessa rede. Nem todas estruturas ligadas anatomicamente estão ligadas funcionalmente, e muitas estruturas não ligadas anatomicamente estão ligadas funcionalmente, de maneira indireta


Essa capacidade de mapear com precisão, usando técnicas de RMN funcional, a atividade, conectividade e reatividade no sistema nervoso gerou iniciativas com o projeto conectoma humano, em 2009.



Avanços em técnicas de imagem funcional estimularam iniciativas como o projeto conectoma humano, de 2009.


Há padrões de conectividade comuns e também muitas variações individuais. Há desvios do padrão comum em patologias neurológicas e psiquiátricas. A precisão do mapa de conectividade chega ao ponto de ser possível identificar um indivíduo pelo seu mapa de conectividade, e até prever o grau de inteligência fluida pelo mapa de conectividade.


No estágio atual de conhecimento ainda não está resolvida toda heterogeneidade da depressão e não se pode individualizar o tratamento conforme achados neurobiológicos, mas os conceitos baseados na neuroimagem funcional permitem elaborar hipóteses sobre que ocorre com seus pacientes, particularmente quando se usa a Estimulação Magnética Transcraniana, que tem como alvo estruturas específicas dentro das redes de conectividade cerebral.


(5.2/5) Redes nervosas na depressão

AS DUAS REDES DE REGULAÇÃO DO HUMOR

A rede de estruturas que regula esse equilíbrio entre cognição e emoção pode ser desmembrada em 2 vias. Há um consenso de que na depressão (ao menos no distúrbio bipolar tipo I), existe uma redução de conectividade entre estruturas nessas vias. Uma dessas vias é chamada de rede de regulação emocional automática (interna), formada por estruturas na porção medial do córtex pré-frontal e o giro cíngulo ventral, e outra é a rede de regulação emocional voluntária (externa), formada por estruturas na porção lateral do córtex pré-frontal e o giro cíngulo dorsal. A rede de regulação emocional interna é ativada automaticamente quanto evocamos uma memória carregada de emoção. Essa lembrança ativada, do lado do neocórtex, o vmPFC, e, do lado do córtex límbico, o sgACC, além de estruturas límbicas subcorticais que fazem a regulação da amígdala (n. acumbens, pálido, tálamo) e modificam o meio interno para a reação apropriada. A outra é chamada de rede de regulação emocional externa, voluntária. Quando percebemos algo no meio externo que induz emoção, ativamos 2 áreas de neocórtex, a vlPFC (que tem capacidade de inibir emoção, controlar os impulsos, censurar emoções ou sentimentos inapropriados) e, acima dela, a dlPFC (a área responsável pela decisão consciente de dirigirmos nossa atenção) e 1 área de córtex límbico, o dACC, além de estruturas límbicas subcorticais que também fazem a regulação da amígdala (vm striatum, pálido, tálamo) e modificam o meio interno para a reação apropriada.


No distúrbio bipolar, esse colorido emocional que a nossa percepção ganha pela interface com o sistema límbico, é distorcido. Com a progressão da doença, essa desconexão funcional pode se agravar a ponto de haver desconexão estrutural e até mesmo redução de volume de estruturas no córtex cronicamente submetidas a estresse



Fig 20.Redes de regulação do humor interna e externa, segundo modelo publicado em trabalho de Strakowski de 2013.

(5.3/5) Redes nervosas na depressão

AS REDES DE REGULAÇÃO DO HUMOR NA DEPRESSÃO E NO DISTÚRBIO BIPOLAR

Embora essa fisiologia da regulação do humor permita explicar a variedade de sintomas da depressão e alterações na atividade, conectividade e reatividade dessas estruturas já tenham sido consistentemente encontradas em pacientes com depressão como “grupo”, elas não chegam a ter homogeneidade para servir como “marcadores biológicos” de depressão. Isso porque são alterações “de alto nível”, tão heterogêneas quanto a depressão é heterogênea. Diferentes combinações de alterações de alto nível podem resultar em uma sintomatologia final comum e o conhecimento atual ainda não permite estratificar essas combinações. Os marcadores biológicos com maior reprodutibilidade na depressão também podem ter sua origem vinculada à fisiologia límbica, porém são de mais baixo nível, refletindo alterações na via final comum da disfunção límbica, em função neuroendócrina (como o teste de supressão com dexametasona), neuroimunológica (aumento de IL-2 e IL-6), neurotrófica (redução de BDNF) e neuroquímica (expressão de receptor 5HT1A). Marcadores de baixo nível, no entanto, tem a desvantagem de baixa especificidade. Há achados que são comuns tanto a depressão uni ou bipolar como a mania ou depressão, mas há também achados que diferenciam essas condições


Em comum, todas essas condições cursam com hiperativação de cíngulo anterior, com maior ativação em cíngulo ventral na depressão e em cíngulo dorsal na mania.


Quanto ao padrão em neocórtex, predominam alterações em córtex pré-frontal medial na depressão unipolar e em córtex pré-frontal ventro-lateral direito na Mania, ventro-lateral esquerdo na depressão , dorso-lateral na depressão bipolar



Fig 21.O achado mais consistente em imagem funcional na depressão é a hiperatividade com redução volumétrica em cíngulo ventral anterior (subcaloso).



(5.4/5) Redes nervosas na depressão

Estruturas e alterações correspondentes no distúrbio bipolar

Cíngulo ventral:

sgACC: ↑ atividade proporcional à intensidade dos sintomas a longo prazo ocorre redução de volume por redução de glia e atrofia dendrítica.


Cíngulo dorsal:

dACC: ↑ atividade (principalmente em mania)


Córtex ventral:

↓ atividade vlPFC (principalmente à dir em Mania e principalmente à esquerda em depressão. Redução menos intensa em depressão) ↓ conectividade entre vlPFC e dACC ↓ atividade e ↑ reatividade (principalmente em unipolar) vmPFC


Córtex dorsal:

↓atividade, ↑ reatividade dlPFC (principalmente em bipolar): relação direta com gravidade de sintomas quando medida durante tarefa que envolve memória de trabalho ↓ conectividade entre dlPFC e dACC ↓atividade, ↑ reatividade dmPFC (principalmente em unipolar)


Entre essas estruturas com alterações já descritas em paciente com distúrbios de humor, o principal alvo da Estimulação Magnética é o dlPFC (Córtex frontal dorsolateral), uma área relacionada à origem da iniciativa voluntária, fundamental também para as funções de dirigir a atenção e coordenar a memória de trabalho.


A conectividade entre dlPFC e o vlPFC, que tem redução de atividade principalmente à esquerda em quadros de depressão, dá apoio à aplicação de parâmetros excitatórios em dlPFC à esquerda na depressão. Essa lateralidade, no entanto, não é uma “claúsula pétrea” do tratamento com EMT. Em um estudo de cross-over feito (Speer,2009), a maior parte dos pacientes que não respondeu a parâmetros excitatórios em dlPFC respondeu a parâmetros inibitórios na mesma área. O vlPFC e o dmPFC são também acessíveis à EMT e já considerados como alvos terapêuticos alternativos na depressão. Bobinas com estimulação não-focal, como a bobina em H, não se restringem ao dlPFC, estimulando também o vlPFC. Outro ponto já testado foi o dmPFC, em estudo de Bakker em 2015, com bobina em duplo conte. Como salientamos na introdução, o propósito dessa apostila é apenas dar uma visão geral dos mecanismos da EMT. Ela não pretende ser um “guia baseado em evidências” para a prática da Estimulação Magnética Transcraniana. Para isso, recomendamos o excelente guia do Prof. Moacyr Rosa. Esse texto também pretende propor uma linguagem para que se explique aos pacientes como age o tratamento e fornecer informações que motivem o clínico a acompanhar a ciência e formular hipóteses que enriqueçam sua própria experiência com essa técnica cujo desenvolvimento ainda promete muito a oferecer nos campos da Neurologia e Psiquiatria








Na página do Simpósio de EMT você pode acessar o áudio e slides dessa e de outras aulas.


Referências: 1. Speer AM, Benson BE, Kimbrell TK, Wassermann EM, Willis MW, Herscovitch P, Post RM. Opposite effects of high and low frequency rTMS on mood in depressed patients: relationship to baseline cerebral activity on PET. J Affect Disord. 2009 Jun;115(3):386-94 2. Koponen LM, Nieminen JO, Ilmoniemi RJ. Minimum-energy coils for transcranial magnetic stimulation: application to focal stimulation. Brain Stimul. 2015 Jan-Feb;8(1):124-34 3. Deng ZD, Lisanby SH, Peterchev AV. Electric field depth-focality tradeoff in transcranial magnetic stimulation: simulation comparison of 50 coil designs. Brain Stimul. 2013 Jan;6(1):1-13. 4. Thielscher A, Opitz A, Windhoff M. Impact of the gyral geometry on the electric field induced by transcranial magnetic stimulation. Neuroimage. 2011 Jan 1;54(1):234-43 5: Maletic V, Raison CL. Neurobiology of depression, fibromyalgia and neuropathic pain. Front Biosci (Landmark Ed). 2009 Jun 1;14:5291-338. Review. PubMed PMID: 19482616. 6. Strakowski SM, Adler CM, Almeida J, Altshuler LL, Blumberg HP, Chang KD, DelBello MP, Frangou S, McIntosh A, Phillips ML, Sussman JE, Townsend JD. The functional neuroanatomy of bipolar disorder: a consensus model. Bipolar Disord. 2012 Jun;14(4):313-25. 7. Neggers SF, Petrov PI, Mandija S, Sommer IE, van den Berg NA. Understanding the biophysical effects of transcranial magnetic stimulation on brain tissue: the bridge between brain stimulation and cognition. Prog Brain Res. 2015;222:229-59. 8. Lømo, Terje (1966). "Frequency potentiation of excitatory synaptic activity in the dentate area of the hippocampal formation". Acta Physiologica Scandinavica. 68 (Suppl 277): 128. 9. Larson J, Lynch G. Induction of synaptic potentiation in hippocampus by patterned stimulation involves two events. Science. 1986 May 23;232(4753):985-8 10. Bakker N, Shahab S, Giacobbe P, Blumberger DM, Daskalakis ZJ, Kennedy SH, Downar J. rTMS of the dorsomedial prefrontal cortex for major depression: safety, tolerability, effectiveness, and outcome predictors for 10 Hz versus intermittent theta-burst stimulation. Brain Stimul. 2015 Mar-Apr;8(2):208-15. 11. Drevets WC, Savitz J, Trimble M. The subgenual anterior cingulate cortex in mood disorders. CNS Spectr. 2008 Aug;13(8):663-81. Review. 12. Maletic V, Raison C. Integrated neurobiology of bipolar disorder. Front Psychiatry. 2014 Aug 25;5:98. Review.





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