Zumbido: O Som Fantasma (Parte IV) - A Neuromodulação realmente tem um papel benéfico e comprovação científica nos casos de zumbido.
- Milaine Dominici Sanfins

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Milaine Dominici Sanfins, Piotr Henryk Skarzynski e Anna Carolina Marques Perrella de Barros
O tema zumbido é tão relevante e complexo que já foram produzidos três boletins anteriores com enfoque neste sintoma multifatorial. Recomendamos a leitura dos materiais anteriores que estarão mencionados nas referências consultadas ao final do presente boletim. Dando continuidade a este tópico neste material atual o objetivo é discutir sobre o papel dos tratamentos de neuromodulação dentro do processo de intervenção nos casos de pacientes que sofrem com o Transtorno do Zumbido. O QUE É NEUROMODULAÇÃO? Neuromodulação está relacionada à alteração da atividade nervosa por meio de estímulos elétricos, magnéticos, acústicos ou químicos direcionados a atuação em áreas específicas do sistema nervoso. O objetivo é ajustar, regular ou normalizar a função neural que foi prejudicada devido a lesões, doenças ou disfunções. A neuromodulação pode ser invasiva (por exemplo, estimulação cerebral profunda) ou não invasiva.
QUAL É A BASE DOS TRATAMENTOS DE NEUROMODULAÇÃO?
Os tratamentos com neuromodulação são baseados em princípios fundamentais que visam alterar a atividade do sistema nervoso para restaurar funções, aliviar sintomas e melhorar a qualidade de vida. As bases desses tratamentos são as seguintes:
1) NEUROPLASTICIDADE
Neuroplasticidade é a capacidade natural do cérebro de mudar e formar novas conexões neurais ao longo da vida, em resposta a modificações ambientais, sejam elas internas ou externas ao sujeito. Modificações internas podem incluir lesões ou doenças, e externas, experiências como o aprendizado. A neuromodulação tira proveito disso através de:
Indução de mudanças adaptativas: A neuromodulação tenta fortalecer ou enfraquecer as conexões sinápticas, alterar o nível de excitação dos neurônios e estimular o crescimento de novas vias neurais por meio de estímulos elétricos, magnéticos, acústicos ou agentes químicos.
Reorganização dos circuitos cerebrais: Os circuitos neurais podem não funcionar corretamente em pessoas que sofreram algum tipo de disfunção cerebral ou dor crônica. O objetivo da neuromodulação é reestabelecer ou "recalibrar" esses circuitos para que voltem a funcionar normalmente ou para compensar quaisquer problemas.
O presente boletim visa abordar mais especificamente as mudanças estruturais e funcionais no cérebro provenientes da neuromodulação por estímulos elétricos ou magnéticos. Antes disso, é fundamental entender a eletrofisiologia cerebral, a atuação em alvos neurais específicos e alguns parâmetros técnicos importantes.

2) ELETROFISIOLOGIA CEREBRAL
O sistema nervoso atua como um transmissor de sinais elétricos e químicos. Os sinais elétricos estão diretamente relacionados com os potenciais de ação, ao passo que, os sinais químicos derivam dos neurotransmissores. Neste sentido, a neuromodulação tem um efeito direto sobre alguns processos eletrofisiológicos, tais como:
Modulação da excitabilidade neuronal: As técnicas de neuromodulação usam correntes elétricas ou campos magnéticos para alterar a atividade de certos neurônios ou redes neurais, tornando-os mais ativos (excitatórios) ou menos ativos (inibitórios).
Interferência com padrões de atividade anormais: Pessoas com epilepsia, tremor essencial ou doença de Parkinson apresentam atividade cerebral anormal. A neuromodulação pode interromper ou corrigir esses padrões que não estão funcionando corretamente.
3) ALVOS NEURAIS ESPECÍFICOS
Os tratamentos de neuromodulação são mencionados como precisos e apresentam como alvo partes específicas do cérebro, da medula espinhal ou dos nervos periféricos que estão envolvidos na doença ou na condição apresentada. E para tanto, devem:
Identificar circuitos disfuncionais: A pesquisa neurológica e a neuroimagem avançada permitem identificar as regiões cerebrais e as redes neurais que estão comprometidas em várias condições (por exemplo, os gânglios basais na doença de Parkinson, o córtex motor na dor crónica).
Estimulação seletiva e maximização dos benefícios: Dispositivos e métodos de neuromodulação são projetados para enviar sinais apenas a esses alvos específicos, o que maximiza os efeitos terapêuticos e minimiza os efeitos colaterais.
4) A CAPACIDADE DE MUDAR E INVERTER
Muitas terapias de neuromodulação, especialmente aquelas que usam implantes, são concebidas para serem reversíveis e ajustáveis. Por meio dos ajustes dos parâmetros é possível minimizar possíveis efeitos adversos.
Ajustes dos parâmetros: Você pode alterar a frequência, a intensidade, a largura do pulso e a duração da estimulação para obter a melhor resposta terapêutica e atender às necessidades em evolução do paciente ao longo do tempo.
Minimizando os efeitos adversos: A capacidade de alterar os parâmetros permite ajustar o tratamento e diminuir o risco de efeitos colaterais, tornando a terapia mais segura e personalizada para cada indivíduo.
5) DIFERENTES MODOS DE ESTIMULAÇÃO
Existem diferentes modos de estimulação e dependendo do modelo de abordagem proposto têm-se um objetivo terapêutico. Abaixo, serão apresentados alguns modos de estimulação:
Estimulação Nervosa Periférica: Concentra-se em nervos específicos (por exemplo, nervo vago, nervos periféricos) que, quando estimulados, influenciam indiretamente a atividade cerebral.
Administração Direta de Medicamentos: A administração intratecal de medicamentos (bombas de infusão) não é estritamente elétrica, mas é um tipo de neuromodulação química, pois altera a atividade neural em uma área específica.
Substituição Sensorial/Biofeedback: Existem sistemas que induzem a plasticidade e a reorganização cerebral, atuando como uma forma indireta de modular o sistema. É o caso de sistemas como o Tongue Display Unit (TDU) ou ainda o BrainPort que não aplicam o estímulo diretamente no cérebro para neuromodulação, eles fornecem informações sensoriais moduladas e indiretamente modulam o sistema.
Estimulação Direta: Aplicação de corrente elétrica. Ex: Estimulação Cerebral Profunda - Deep Brain Stimulation (DBS), Estimulação da Medula Espinhal - Spinal Cord Stimulation (SCS), Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua - Transcranial Direct Current Stimulation (tDCS) ou campos magnéticos como por exemplo, a Estimulação Magnética Transcraniana - Transcranial Magnetic Stimulation (TMS) para modular diretamente a atividade neural.
NEUROMODULAÇÃO E ZUMBIDO
No que diz respeito ao tratamento do zumbido, a neuromodulação apresenta-se como uma técnica nova e promissora. O objetivo principal é alterar a atividade cerebral por meio da estimulação de substratos neurobiológicos específicos relacionados a este sintoma. Devido ao fato de o zumbido ser multifatorial é de fundamental importância a busca por tratamentos que abordem todos os aspectos decorrentes deste sintoma.
A experiência do zumbido pode ser alterada pelo uso da neuromodulação, que funciona suprimindo ou reconstruindo diretamente a atividade cerebral anormal ao longo do tempo.
É extremamente importante mencionar que os mecanismos subjacentes ao zumbido ainda são objeto de estudo e, portanto, não existem protocolos definitivos para o uso da neuromodulação elétrica ou magnética no zumbido.
Essa abordagem vem somar às ferramentas atuais para o manejo do zumbido e tende a ser inovadora, por enfatizar a modificação dos substratos neurofisiológicos centrais, representando uma possível divergência dos tratamentos atualmente disponíveis, que se concentram no comportamento do paciente em resposta ao zumbido. O objetivo da neuromodulação é atuar diretamente nas redes neurais que foram alteradas e apresentam relação com os mecanismos subjacentes ao zumbido. Isso aborda uma deficiência crítica nas opções terapêuticas atualmente disponíveis e, por este motivo, é objeto de estudos científicos atuais.
CORRELATOS NEURAIS RELACIONADOS À FISIOPATOLOGIA DO ZUMBIDO
O zumbido envolve tanto danos ao sistema auditivo quanto uma atividade neuronal anormal no cérebro, com o envolvimento de outras áreas cerebrais. As principais teorias neurobiológicas reportam que ele é causado por atividade elétrica anormal nos neurônios das vias auditivas periféricas e centrais, incluindo o córtex cerebral.
Deste modo, este sintoma pode ocorrer em diferentes áreas do sistema auditivo e, como consequência, as áreas subjacentes e correlacionadas ao sistema auditivo são afetadas por esta anormalidade. A deaferentação auditiva, que ocorre quando as conexões nervosas são perdidas devido à perda auditiva periférica, pode enfraquecer a inibição lateral em determinadas faixas de frequência. Isso, por sua vez, pode fazer com que os neurônios do sistema auditivo central se tornem mais sincronizados e hiperexcitáveis.
Essa hiperatividade é marcada por uma maior atividade com um maior número de disparos neurais. Esta desorganização neural modifica toda a capacidade do cérebro de processar o som, existindo, portanto, uma reorganização cerebral. As técnicas de neuromodulação visam interferir nesta neuroplasticidade compensatória mal-adaptativa relacionada ao zumbido, uma vez que, sua atuação ocorrerá nos potenciais de membrana neuronal, nas conexões sinápticas e nos padrões de disparo neural, a fim de devolver ao cérebro o seu melhor estado anterior de funcionamento.
Essa compreensão da neuroplasticidade mal-adaptativa é crucial, pois será a base das terapias de neuromodulação que objetivarão reverter ou reorganizar essas redes neurais anormais, em vez de apenas suprimir os sintomas.
Preditores das Oscilações dos Neurônios Corticais relacionados ao zumbido
A percepção do zumbido está intrinsecamente ligada às alterações na atividade oscilatória rítmica dos neurônios corticais. Estudos utilizando técnicas de neuroimagem como a magnetoencefalografia (MEG) e a eletroencefalografia (EEG) revelaram associações consistentes entre o zumbido e padrões anormais de atividade neural. Notavelmente, observa-se uma diminuição da potência na banda alfa (8–12 Hz) e um aumento da potência oscilatória nas bandas delta (1–3 Hz) e gama (40–90 Hz) em pacientes com zumbido (Hoare et al, 2024 e Heiland et al, 2024).
Entre essas alterações, as mudanças na atividade oscilatória da banda delta parecem ser o melhor preditor objetivo de mudanças no zumbido. Além disso, a redução da atividade alfa no córtex auditivo de pacientes com zumbido é um achado recorrente, e o aumento da potência alfa no córtex auditivo estimulado tem sido associado à redução da intensidade do zumbido.
A identificação dessas assinaturas oscilatórias específicas (delta, alfa, gama) como biomarcadores do zumbido e de sua resposta ao tratamento é de grande importância. Isso não apenas valida a existência de uma base neurofisiológica para o zumbido, mas também oferece um alvo quantificável para a otimização e personalização das terapias de neuromodulação. Se os tratamentos de neuromodulação bem-sucedidos revertem esses padrões específicos, então esses padrões podem servir como marcadores objetivos e mensuráveis da eficácia do tratamento, complementando os relatos subjetivos dos pacientes.
A possibilidade da existência de uma análise precisa e objetiva do zumbido é intrigante e tem o potencial de fornecer um novo direcionamento no tratamento do zumbido por meio do uso deste que pode ser considerado biomarcador.
Ao monitorar objetivamente essas mudanças neurofisiológicas (por exemplo, via EEG/MEG), pesquisadores e clínicos podem validar os mecanismos de ação dos tratamentos, otimizando os parâmetros de estimulação (como frequência, intensidade e posicionamento dos eletrodos) para alcançar a mudança neurofisiológica desejada (por exemplo, normalizar a potência alfa ou reduzir a atividade delta), e personalizar os tratamentos de acordo com o perfil oscilatórios e suas respostas específicas à estimulação.
Assim sendo, os tratamentos que fazem uso de neuromodulação devem ser individualizados e personalizados para cada paciente. Uma abordagem única e globalizada parece não beneficiar a todos os pacientes. Considerando que o sintoma é multifatorial, faz-se necessário frisar que o tratamento do zumbido até o momento não apresenta um caminho único para todos e geralmente exige abordagens múltiplas, com o envolvimento de profissionais de diferentes especialidades.
Atualmente, algumas metodologias estão sendo recomendadas em casos de zumbido. Cabe mencionar que todos os dados apresentados a seguir são baseados em estudos científicos publicados e revisados por pares.
TÉCNICAS DE NEUROMODULAÇÃO PARA O TRATAMENTO DE ZUMBIDO
1) Estimulação Magnética Transcraniana Repetitiva (rTMS)
A Estimulação Magnética Transcraniana Repetitiva (rTMS) é uma técnica não invasiva baseada na indução eletromagnética que gera campos magnéticos transitórios por meio de bobinas de corrente pulsada de alta intensidade, induzindo a despolarização de neurônios corticais através do couro cabeludo e do crânio. Este processo modula a excitabilidade dos neurônios e neurotransmissores relacionados ao zumbido e aumenta a plasticidade dos neurônios auditivos (May et. al., 2007).
No contexto do zumbido, a rTMS de baixa frequência parece ser a mais indicada, visto que, tem sido associada a efeitos inibitórios na neuroplasticidade e na redução da hiperatividade neuronal implicadas na percepção do zumbido. Um aspecto relevante desta metodologia é o fato de ser não-invasiva, indolor e segura aos pacientes com transtornos do zumbido. Todavia, é importante mencionar que a rTMS é um tratamento seguro para o zumbido a curto prazo, e que atualmente faltam dados que comprovem sua segurança a longo prazo (Mend et al, 2011).

Com o intuito de compreender um pouco mais sobre os efeitos desta técnica nos casos de zumbido, foi realizada uma revisão sistemática e de meta-análise com 16 ensaios clínicios randomizados e controlados (He et. al., 2025) demonstraram que a rTMS realmente impactou nos resultados do Tinnitus Handicap Inventory (THI) e da Escala Visual Analógica (EVA) sendo que os efeitos positivos foram observados imediatamente após o tratamento e após os 30 dias de intervenção. Estes dados corroboram com os encontrados na revisão sistemática de Yin et al. (2021), as pontuações do THI demonstraram efeitos positivos, enquanto as pontuações do Tinnitus Questionnaire (TQ) não mostraram melhoras. Contrariamente, uma meta-análise realizada por Dong et al. (2020) concluiu que a rTMS de baixa frequência não apresentou benefício significativo em comparação com um placebo em pacientes com zumbido crônico.
Assim sendo, ainda existem controvérsias sobre esta vertente de neuromodulação para os pacientes com zumbido, portanto, é importante que sejam realizadas mais pesquisas. Para He et al. (2025), as pesquisas futuras devem incentivar ensaios clínicos randomizados, multicêntricos e de grande escala, com protocolos padronizados. Além disso, explorar terapias combinadas, como rTMS com terapia cognitivo-comportamental (TCC), rTMS combinada com estimulação pré-frontal, protocolo de alta frequência e estimulação auditiva seriam de grande valia.
2) Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (tDCS)
A Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (tDCS) é uma técnica de neuromodulação cerebral não invasiva e indolor que aplica uma corrente galvânica de baixa intensidade (tipicamente 1-2 mA) diretamente no couro cabeludo para modular a atividade de áreas cerebrais específicas.
A tDCS não induz diretamente a atividade neural, mas sim modula a excitabilidade cortical e a eficiência sináptica. Ela afeta a conectividade funcional, a plasticidade e a sincronização dentro de várias redes cerebrais. A simplicidade de operação e o custo acessível da tDCS contribuem para sua ampla aplicação em diversas áreas.
De acordo com Fortes e Sanfins (2025), devido a suas ações no sistema nervoso, a TDCS tem sido indicada em uma variedade de condições clínicas como o tratamento de distúrbios cognitivos, transtornos vestibulares, transtornos de humor, transtornos do zumbido e dor crônica, mas é importante ressaltar que em alguns países como os Estados Unidos, este instrumento ainda não possui a aprovação do Food and Drug Administration (FDA) para ser utilizado nos procedimentos médicos.
A tDCS é capaz de modular a conectividade funcional da rede cerebral, alterando os padrões de interação e transferência de informações entre diferentes regiões do cérebro. Por fim, a estimulação pode aumentar os níveis e a liberação de neurotransmissores excitatórios, como glutamato e dopamina, que são essenciais para a manutenção sináptica e a plasticidade. A aplicação bifrontal de tDCS ou a estimulação do nervo vago tem sido associada ao alívio da percepção do zumbido, acompanhada por uma redução na atividade das bandas teta e gama no córtex auditivo.
No tocante ao zumbido, os estudos demonstraram que a tDCS conseguiu reduzir de forma eficaz a depressão comórbida em pacientes com zumbido (Heiland et al., 2024). Assim como, a rTMS o tratamento da tDCS a longo prazo é questionável. A discrepância entre uma compreensão clara do impacto fisiológico da tDCS na atividade cerebral e sua inconsistente eficácia clínica aponta para uma lacuna crítica. O desafio reside não na existência de um efeito neurofisiológico, mas em seu direcionamento preciso, indução consistente e manutenção sustentada para o zumbido. Isso também sugere que a alta heterogeneidade observada nos ensaios de tDCS é uma consequência direta dessa falta de padronização, tornando as meta-análises desafiadoras e suas conclusões provisórias. 3) Estimulação do Nervo Vago (VNS) e Estimulação Transcutânea do Nervo Vago (taVNS)
A Estimulação do Nervo Vago (VNS) consiste em uma técnica de neuromodulação que pode ser realizada de maneira invasiva ou não invasiva. A VNS invasiva consiste na inserção cirúrgica de um dispositivo e de um eletrodo destinados a estimular o nervo vago cervical. Esse procedimento conta com a aprovação da FDA para o tratamento da epilepsia e da depressão.
Contrariamente, a Estimulação Transcutânea do Nervo Vago (tVNS), também conhecida como Estimulação Auricular Transcutânea do Nervo Vago (ta-VNS), é uma abordagem não invasiva. Ela estimula o ramo auricular do nervo vago (ABVN) localizado na orelha externa. A tVNS é considerada mais segura e mais econômica que a VNS, pois não requer anestesia geral e procedimento cirúrgico para implantação. Múltiplos estudos de neuroimagem confirmaram que a tVNS ativa as mesmas redes e vias cerebrais que a VNS direta, tornando-a uma alternativa viável.
Os mecanismos neurofisiológicos da VNS e taVNS no tratamento do zumbido estão intimamente ligados à promoção da neuroplasticidade e à modulação da liberação de neurotransmissores. A VNS induz a liberação de neuromoduladores no cérebro, incluindo acetilcolina, norepinefrina, serotonina e fator neurotrófico derivado do cérebro. Essas substâncias desempenham papéis cruciais na promoção de mudanças plásticas no cérebro (Hoare et al., 2024; Yakunina e Cheol Nam, 2021).
Quanto aos estudos com pacientes com zumbido foi observado que a VNS e a tVNS parecem ter um bom desempenho na prevenção e na reversão dos casos, além de alguns estudos terem demonstrado uma diminuição na gravidade dos sintomas. Todavia, de acordo com Yakunina e Cheol Nam (2021), os estudos existentes apresentam falhas importantes, como a ausência de um grupo controle, tamanho amostral reduzido, falta de randomização entre outros pontos relevantes em pesquisa. Da mesma forma, não há evidências confiáveis até o momento mostrando que a (t)VNS sozinha, sem estímulos sonoros pareados, seja eficaz para o tratamento do zumbido.
PENSAMENTOS FINAIS E DIRECIONAMENTOS FUTUROS
O estudo da neuromodulação em pacientes com zumbido está em desenvolvimento, no entanto, ainda existem muitas lacunas a serem preenchidas. Embora o zumbido represente uma condição complexa e debilitante, cuja fundamentação neurofisiológica ainda é motivo de investigação, a busca por uma intervenção neuromodulatória eficaz ainda enfrenta desafios.
A Estimulação Magnética Transcraniana Repetitiva (rTMS) demonstrou potencial na redução do zumbido, especialmente em um período curto, quando direcionada ao córtex auditivo, a partir de medidas subjetivas para análise de desfecho dos estudos. Contudo, ainda há a necessidade da comprovação dos resultados a longo prazo. A possível identificação de biomarcadores neurofisiológicos, como o aumento da potência alfa no córtex auditivo, apresenta uma estratégia promissora para personalizar e otimizar as intervenções de estimulação magnética transcraniana repetitiva (rTMS).
A Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (tDCS), apesar de seus mecanismos neurofisiológicos serem relativamente bem compreendidos, no presente momento, sofre por uma falta de protocolos padronizados, estudos que analisam os resultados a longo prazo e de resultados clínicos robustos e consistentes.
Já a Estimulação do Nervo Vago (VNS) e sua forma não invasiva, a tVNS, representa uma abordagem inovadora, porém os resultados em seres humanos são contraditórios, o que demanda estudos mais aprimorados e com relevância científica.
Portanto, em um primeiro momento, a neuromodulação oferece uma abordagem terapêutica para o zumbido, buscando corrigir as disfunções neurais em vez de apenas gerenciar os sintomas. Entretanto, é fundamental que o desenvolvimento de pesquisas de ponta que se concentrem na padronização dos protocolos, na identificação de biomarcadores objetivos para guiar e personalizar o tratamento, e na realização de ensaios clínicos randomizados e controlados com amostras maiores e acompanhamentos de longo prazo.
A compreensão detalhada dos mecanismos neurofisiológicos e a otimização das estratégias de aplicação são passos essenciais para transformar o potencial da neuromodulação em soluções clínicas eficazes e duradouras para pacientes com zumbido.
QUIZ: NEUROMODULAÇÃO E ZUMBIDO
1. Qual das seguintes opções descreve mais precisamente o conceito de neuroplasticidade no contexto da neuromodulação?
a) A capacidade do cérebro de se manter inalterado ao longo da vida, resistindo a qualquer estímulo externo.
b) A habilidade do sistema nervoso em gerar impulsos elétricos aleatórios sem um propósito específico.
c) A forma como o cérebro forma novas conexões neurais e muda sua estrutura em resposta a experiências, lesões ou doenças, sendo explorada pela neuromodulação para induzir mudanças adaptativas.
d) O processo de degeneração neuronal que ocorre naturalmente com o envelhecimento.
e) A capacidade de certas áreas do cérebro de funcionar independentemente de outras, sem qualquer interconexão.
2. No contexto da fisiopatologia do zumbido, como a deaferentação auditiva (perda de conexões nervosas devido à perda auditiva periférica) impacta a atividade neuronal do sistema auditivo central?
a) Aumenta a inibição lateral em faixas de frequência específicas, resultando em menor sincronização e hipoexcitabilidade neuronal.
b) Causa uma diminuição significativa na atividade neuronal, levando à inatividade completa dos neurônios auditivos.
c) Fortalece as conexões sinápticas, normalizando a capacidade do cérebro de processar o som.
d) Enfraquece a inibição lateral em certas faixas de frequência, levando à sincronização e hiperexcitabilidade dos neurônios do sistema auditivo central.
e) Não tem qualquer impacto na atividade neuronal do sistema auditivo central, apenas afeta a percepção do som.
3. Qual das seguintes bandas de oscilação neuronal tem sido identificada como o melhor preditor objetivo de mudanças no zumbido, de acordo com estudos utilizando técnicas como MEG e EEG?
a) Banda Beta (13–30 Hz)
b) Banda Teta (4–7 Hz)
c) Banda Delta (1–3 Hz)
d) Banda Alfa (8–12 Hz)
e) Banda Gama (40–90 Hz)
4. A Estimulação Magnética Transcraniana Repetitiva (rTMS) de baixa frequência poderia ser indicada para o tratamento do zumbido devido a qual de seus efeitos?
a) Sua capacidade de induzir a excitação neuronal e aumentar a hiperatividade cerebral.
b) Sua ação de induzir diretamente o crescimento de novas vias neurais complexas, sem modulação da excitabilidade existente.
c) Seus efeitos inibitórios na neuroplasticidade e na redução da hiperatividade neuronal implicadas na percepção do zumbido.
d) Seu custo extremamente elevado, que limita sua aplicação a poucos centros de pesquisa.
e) Sua necessidade de implante cirúrgico, tornando-a uma técnica invasiva.
5. Qual é uma das principais lacunas e desafios no uso da Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (tDCS) para o tratamento do zumbido, conforme discutido no texto?
a) Sua alta intensidade de corrente, que causa dor significativa e efeitos colaterais severos.
b) A falta de estudos que comprovem qualquer efeito neurofisiológico da tDCS no cérebro.
c) A ausência de protocolos padronizados, estudos de longo prazo e resultados clínicos robustos e consistentes, dificultando a análise e aplicação eficaz.
d) A necessidade de anestesia geral para sua aplicação, tornando-a um procedimento de alto risco.
e) O fato de a tDCS induzir diretamente a atividade neural, o que é contraproducente no tratamento do zumbido.
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Respostas corretas do Quiz: 1. resposta correta: c
2. resposta correta: d
3. resposta correta: c
4. resposta correta: c
5. resposta correta: d
AUTORES

Professora Adjunta da Disciplina dos Distúrbios de Audição do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP);
Membro do grupo de pesquisa do Institute of Physiology and Pathology of Hearing and World Hearing Center, Kajetany, Poland;
Professora do Curso de Pós-Graduação em Audiologia Clínica pelo Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein.
Pós-doutorado pelo World Hearing Center, Varsóvia, Polônia;
Doutorado sanduíche pela Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (FCM UNICAMP) e pela Università degli Studi di Ferrara/Italy;
Especialista em Audiologia pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia;
Graduação e Mestre pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP);
Membro da comissão de ensino e pesquisa da Academia Brasileira de Audiologia (2024-2026);
Relatora do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo;
Revisora de artigos científicos e capítulos de livros na área de Audiologia, Eletrofisiologia, Neuroaudiologia e Neurociência;
Instagram: @misanfins
Email: msanfins@uol.com.br e msanfins@unifesp.br

Professor, Otorrinolaringologista, Mestre e Doutor pela Medical University of Warsaw;
Realiza trabalho científico, didático, clínico e organizacional no World Hearing Center of Institute of Physiology and Pathology of Hearing, Institute of Sensory Organs and Medical University of Warsaw;
Especialista em otorrinolaringologia, otorrinolaringologia pediátrica, fonoaudiologia e saúde pública;
Participou da 3ª Reunião de Consulta no Fórum Mundial de Audição da Organização Mundial de Saúde (OMS);
Membro do Roster of Experts on Digital Health da OMS;- Vice-Presidente e Representante Institucional do ISfTeH;
Presidente eleito do Conselho Consultivo Internacional da American Academy Otoringology - Head and Neck Surgery (AAO-HNS);
Membro do Departamento de Congressos e Reuniões da European Academy of Otology and Neuro-otology (EAONO), Representante Regional da Europa da International Society of Audiology (ISA), Vice-Presidente do Hearing Group, Auditor da European Federation of Audiology Societies (EFAS), membro do Facial Nerve Stimulation Steering Committee;
Secretário do Conselho da Sociedade Polonesa de Otorrinolaringologistas, Foniatras e Audiologistas. Membro da Comissão de Auditoria (2018–2019);
Embaixador da Boa Vontade representando a Polônia no Encontro Anual e Experiência OTO da AAO-HNSF 2021 e, desde 2021, membro do Comitê de Dispositivos Auditivos Implantáveis e do Comitê de Educação em Otologia e Neurotologia da AAO-HNS;
Comitê Consultor de Especialistas Internacionais do CPAM-VBMS, membro honorário da ORL Danube Society e membro honorário da Société Française d’OtoRhino Laryngologie;
Membro do Conselho do Centro Nacional de Ciências.

Fonoaudióloga Clínica;
Doutora e Mestre em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM)
Especialista em Audiologia Clínica e Otoneurologia pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia;
Graduação em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP);
Professora do Curso de Especialização em Audiologia Clínica (Instituo Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein e Faculdade CEAFI) e de cursos de extensão (Fonoaudiálogo).
Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Zumbido e Sensibilidade a Sons Prof. Yotaka Fukuda, da Universidade Federal de São Paulo.
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