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Como a EMT age na resiliência, na atenção e facilita a quebra de vícios de pensamento

No tratamento de condições neuropsiquiátricas, a abordagem de temas como resiliência, atenção aos próprios processos mentais ou quebra de vícios de pensamento e comportamento parece pertencer apenas ao campo da psicologia, porém os avanços na compreensão de como circuitos nervosos operam e como são modificados por técnicas de neuromodulação como a Estimulação Magnética Trancraniana já permite identificar marcadores biológicos desses aspectos.


O resumo a seguir foi baseado em apresentação que o pesquisador Jonathan Downar fez em evento no Colorado, em Maio de 2023.


Slide de J Downar: ativação sequencial de circuitos reflete a condução de nosso comportamento. Interferir nesses circuitos facilita mudança de comportamento

Em análise volumétrica de exames de RM em grupo de mais de 800 pessoas que incluia sujeitos com alto risco de depressão (por histórico de maus tratos na infância ou risco familiar de depressão), um grupo alemão (Brosch 2022) verificou que o volume no córtex pré-frontal dorsolateral à esquerda (DLPFC, o alvo típico de tratamento antidepressivo com EMT) era significativamente maior em sujeitos que não desenvolveram depressão apesar do alto risco, o que os fez concluir que o volume do DLPFC, que reflete sua alta atividade em prazo longo, pode ser visto como um marcador de resiliência.


O volume do DLPFC à esquerda é maior em saudáveis com alto risco para depressão (Brosch 2022)

A principal função cognitiva que o DLPFC processa é o redirecionamento voluntário da atenção, que é fundamental para balancear os "sinais emocionais automáticos" que constantemente atraem nossa atenção e nos impelem, muitas vezes, a vícios de pensamento ou comportamento.


Falar da importância de se manter atento a "controlar impulsos" antes de interpretar o que percebe ou tomar decisões pode parece apenas uma obviedade, porém as "estratégias mentais" que cada um aplica e o momento preciso em que toma consciência podem dar a pacientes com condições psiquiátricas a impressão de que essa tarefa é impossível, que já tentaram de tudo e nada mais os ajudará.


Pode parecer surpreendente, mas os processos mentais que regem nossa atenção e nos impelem a comportamentos e pensamentos recorrentes tem "endereço conhecido" no cérebro e com estimulação magnética transcraniana é possível "perturbar esses automatismos", produzir mudanças em como o pacientes percebem seus próprios processos mentais e dar início ao estabelecimento de novos padrões de comportamento.


É possível, examinando 3 circuitos em um exame de Ressonância funcional, saber onde está a atenção do paciente.
Créditos: Nekovarova, Fajnerova, Horacek, Spaniel

A função cognitiva de atenção foi justamente a primeira para a qual se encontrou "circuitos nervosos de alto nível" correspodentes, grupos de regiões cerebrais que se interconectam e coordenam para realizar uma tarefa cognitiva complexa.


Hoje sabemos que a alternância da atenção entre o meio interno e externo é refletida na alternância entre 2 circuitos cerebrais e um desses circuitos, a rede de controle cognitivo, permite dirigir a atenção voluntariamente, ao passo que um terceiro circuito, a rede de saliência, atrai automaticamente a atenção e nos impele a pensamentos e comportamentos com base em condiconamento emocional.


Quando a atenção está voltada para nosso "mundo interno", seja evocando memórias ou elaborando cenários futuros, sem envolvimento com nenhuma tarefa que exija atenção ao ambiente, em especial quando nós mesmos somos personagens dessas memórias ou simulações de futuro, um circuito com 3 regiões fica ativo. Esse circuito de "Atenção ao meio interno" recebeu o nome, em inglês, de "Default mode network" (DMN).


Quando a atenção está voltada ao ambiente externo no momento atual ou quando dividimos a atenção entre o meio externo e o interno, imaginando cenário futuro que leve em conta algum objetivo, a rede mais ativa é a chamada rede de controle cognitivo (ou rede de controle executivo), que inclui o córtex pré-frontal dorsolateral (DLPFC), além de regiões parietais posteriores.


Quando fazemos esforço de atenção voluntário, estamos acionando a rede de controle cognitivo, ativando o DLPFC. Quando pensamos em nossos objetivos e nos fazemos a pergunta: "Aonde isso irá me levar?", estamos também acionando a rede de controle cognitivo, a rede fundamental para a resiliência.


Sem ativação da rede de controle cognitivo, a atenção tende a ser dominada por automatismos emocionais gerados e sinalizados por outros 3 circuitos que operam por condicionamento prévio, ignorando o momento atual e os objetivos, portanto propensos a gerar vícios de pensamento e comportamento que conduzem o invidíduo a sofrimento e dificuldade de adaptação.


O circuito que envia a sinalização emocional e chama atenção da consciência para algo que foi percebido é chamado "rede de saliência". Essa rede envolve 2 regiões cerebrais que transmitem 2 tipos de sinalização: uma "sinalização emocional cognitiva", transmitida principalmente pelo cíngulo dorsal, e uma "sinalização emocional somática", transmitida principalmente pela insula anterior.


A sinalização cognitiva pode ser vista como a “interpretação e os impulsos emocionais” evocados pelo que foi percebido e a sinalização somática é a sensação corporal que acompanha a emoção.


Essa “sinalização emocional” tende a gerar resposta automática, elaborada com base em experiências prévias, rápida mas fortemente sujeita a condicionamento inadequado que nos sujeita a erros de interpretação ou vícios de comportamento e vícios de pensamento.


Também chamamos essa sinalização emocional de sinalização “bottom-up”, termo que reflete uma hierarquia e traduz a aspecto primitivo, condicionado conforme experiências e vícios prévios, uma “força motriz emocional” que impulsiona o comportamento em uma direção.


Para uma interpretação e uma resposta adequadas, essa força “bottom-up” deve ser equilibrada por uma força “top-down”, que leve em conta objetivos futuros e o momento presente, papel da “rede de controle cognitivo”, que tem conexão direta com a rede de saliência.


Pode-se dizer que o tratamento com EMT no alvo pré-frontal dorsolateral à esquerda, a primeira estratégia que demonstrou eficácia no tratamento da depressão resistente a medicações, ativa a rede de controle cognitivo, modula a rede de saliência e assim contribui para quebrar vícios de pensamento e comportamento. Podemos também dizer que quando a pessoa sofre com depressão, os pensamentos, comportamento e humor são conduzidos principalmente por condicionamento "bottom-up" e nas pessoas mais resilientes a força "top-down" equilibra as respostas emocionais, permitindo que se adaptem diante de situações de estresse.


O que nos move: os circuitos que alimentam a rede de saliência


Os impulsos que são transmitidos pela rede de saliência se originam de outros dois circuitos, um deles processa nossas motivações e outro aversões. Em uma parcela dos pacientes psiquiátricos, a melhor estratégia de tratamento pode ser a interferência no processamento desses outros circuitos.


Os circuitos que alimentam a rede de saliência: circuito de motivação (valência positiva) e aversão (valência negativa). Créditos: Slide de Jonathan Downar, Colorado, Maio-2023

Nós somos movidos para nos aproximarmos daquilo onde esperamos obter satisfação, prazer, sucesso e para nos afastarmos do que esperamos frustração, sofrimento, fracasso.


Quando processamos cenários “de aproximação” (de valência positiva), que geram “motivação”, acionamos circuitos de motivação e recompensa que incluem estruturas mais primitivas, subcorticais, como o núcleo accumbens e a área tegmental ventral, e também regiões do córtex no pólo pré-frontal medial.


Quando processamos cenários “de afastamento” (valência negativa), que nos movem para retração, fuga, recolhimento, acionamos circuitos que incluem estruturas límbicas como a “amigdala” e regiões principalmente do córtex pré-frontal lateral orbital e temporal, em uma rede que foi nomeada como “non-reward”.


Outra maneira de entender a depressão considerando esses 5 circuitos que mencionei, um modelo proposto pelo pesquisador Edmund Rolls, é como um estado em que os circuitos orbito-frontais, de valência negativa, estão fortemente condicionados, algo que se pode esperar quando o sujeito se especializa em procurar tudo o que pode dar errado, todas as possibilidades de frustração ou fracasso.


Diante de um cenário com 99 motivos para sucesso e 1 para fracasso, no paciente deprimido a sinalização emocional de fracasso que é produzida automaticamente é tão rápida e intensa que a rede de controle cognitivo não se dá conta de que é possível equilibrar a interpretação e o comportamento em outra direção, bloqueando-se a elaboração de cenários de sucesso. Estruturas da rede de valência negativa estão ativas especialmente durante ruminações que constantemente alimentam o estado de humor deprimido em parte dos pacientes.

O humor deprimido é uma resposta fisiológica. A antecipação repetida de fracasso alimenta esse estado de humor

O estado de humor deprimido é uma resposta fisiológica à antecipação de frustração que se observa em praticamente todo reino animal. Em situações de ameaça, as respostas fisiológicas possíveis são, em primeiro lugar de “paralisia”, outras opções são “fuga, luta”. Quando o sujeito percebe que não é mais possível lutar ou fugir, resta recolher-se e esperar que a situação melhore. Ao repetidamente antecipar cenários em que se prevê derrota e incapacidade de fuga, alimenta-se o estado de humor deprimido, com comportamento de recolhimento, isolamento.

No teste de "nado forçado" da vida, o paciente com depressão se entregou

Uma ilustração desse estado de entrega, derrota é o teste de nado forçado que tem sido usado há décadas para investigar medicamentos antidepressivos. Medicamentos com efeito antidepressivo aumentam o tempo que leva para um ratinho desistir de nadar quando colocado em um recipiente com água de onde ele não pode fugir. No paciente deprimido, cada momento da vida mental pode ter algo de equivalente a um “teste de nado forçado da vida” em que o paciente desistiu de lutar.


Interferir com a rede de valência negativa, com alvos no córtex orbito-frontal ou na amígdala, é outra estratégia promissora para o tratamento de condições neuropsiquiátricas.


Um exemplo bastante sofisticado de uso dessa estratégia foi descrito na revista Nature em 2021. Em uma paciente com depressão grave que não havia respondido a medicações, internação psiquiátrica ou eletroconvulsoterapia, foram implantados eletrodos que tanto faziam registro de atividade cerebral como tinham capacidade de aplicar estímulos.


Os eletrodos foram posicionados em alvos no circuito de aversão/medo/fuga (ou rede de valência negativa) e, após correlacionar certos padrões de atividade com evocação de emoções desse circuito, programaram o dispositivo para aplicar breves surtos de estimulação focal, por apenas 6 segundos e com 1mA, nos momentos em que essa atividade era detectada, nível de estimulação que estava abaixo do limiar em que a paciente pudesse perceber.


Esse regime intermitente de estimulação produziu melhora de 50% no escore de depressão já com 12 dias de tratamento e após alguns meses ela entrou em remissão pela primeira vez em muitos anos e pôde voltar ao trabalho e retomar sua vida social. A paciente descrevia que quando experimentava uma emoção deprimente, negativa, subitamente vinha á tona um lado racional que a permitia colocar em perspectiva a emoção negativa, distanciar-se da emoção. O caso foi descrito também na mídia leiga (New York Times 2021).


Alvos nessa rede de valência negativa também já foram usados para tratamento com TMS e tiveram sucesso em induzir remissão entre pacientes que não haviam respondido com estimulação de outros alvos (Feffer 2018). Estudos prospectivos com esse alvo estão em andamento.


Esse é o segundo resumo de aula de Jonathan Downar que eu preparo (o outro está nesse link), ambos com tema similar, pois creio que é importante um esforço contínuo e uso de diferentes linguagens para explicar os mecanismos de ação da EMT a um público maior, tanto de especialistas em neuromodulação como pacientes.


Preparei também uma versão em vídeo desse conteúdo.


 

Referências:

1. Brosch K, Stein F, Meller T, Schmitt S, Yuksel D, Ringwald KG, Pfarr JK, Waltemate L, Lemke H, Opel N, Meinert S, Dohm K, Grotegerd D, Goltermann J, Repple J, Winter A, Jansen A, Dannlowski U, Nenadić I, Kircher T, Krug A. DLPFC volume is a neural correlate of resilience in healthy high-risk individuals with both childhood maltreatment and familial risk for depression. Psychol Med. 2021 Apr 16;52(16):1-7. doi: 10.1017/S0033291721001094. Epub ahead of print. PMID: 33858550; PMCID: PMC9811272.


2. Rolls ET. A non-reward attractor theory of depression. Neurosci Biobehav Rev. 2016 Sep;68:47-58. doi: 10.1016/j.neubiorev.2016.05.007. Epub 2016 May 12. PMID: 27181908.


3. Dunlop K, Hanlon CA, Downar J. Noninvasive brain stimulation treatments for addiction and major depression. Ann N Y Acad Sci. 2017 Apr;1394(1):31-54. doi: 10.1111/nyas.12985. Epub 2016 Feb 5. PMID: 26849183; PMCID: PMC5434820.



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