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Antecipe o risco de delirium e de surto-supressão com esse parâmetro no Neuro-IOM.NET

Atualizado: 18 de abr.


Examinar a potência dos ritmos alfa frontais induzidos pela anestesia pode ser o equivalente a um "teste de esforço" para delirium e demência? Não foi essa a conclusão direta do estudo que vou mencionar, mas a cadeia de associações que observaram torna tentador imaginar essa aplicação.


Boa parte da atenção que os anestesistas dão a monitores como BIS e Sedline vem da preocupação em evitar anestesia muito profunda, especialmente em idosos.


É bem demonstrada a maior incidência de delirium no pós-operatório em pacientes onde se observaram períodos de surto-supressão ao EEG durante a anestesia, particularmente entre aqueles em que se observou surto-supressão com doses baixas de agente anestésico (2, 3).


A ocorrência de Delirium também é associada a maior mortalidade, maior estadia hospitalar e a aceleração de comprometimento cognitivo ou demência após a cirurgia (5, 8).


Identificar o Delirium e antecipar esse risco à família é outro desafio: a entidade é bastante subdiagnosticada, particularmente em sua variante mais comum, aquela onde o paciente desorientado permanece hipoativo. Em populações acima dos 60 anos que sofre cirurgias de médio ou grande porte, a incidência de delirium varia de 17 até 61% (5) e em alguns estudos chega a 70% (12).


O diagnóstico é altamente dependende da atenção que se dá a identificá-lo. Ao estimar delirium no pós operatório de cirurgias cardíacas apenas por revisão de prontuários, por exemplo, uma revisão de 2011 encontrou incidência de 3%, mas entre estudos que usaram uma bateria de testes neuropsicológicos a incidência foi de 53% (10). Diante da altíssima prevalência de de distúrbios cognitivos no pós-operatório, considera-se que cabe incluir essa advertência no termo de consentimento informado aos pacientes (9).

"the question arises whether the risk of cognitive disorders should be included in ‘informed consent’ . Commonly used postoperative risk calculators do not include the risks of PND, even though PND often occurs up to 10 times more often than many other postoperative complication risks, such as pneumonia, deep vein thrombosis, or death."

Embora não esteja claramente demonstrada se a ocorrência de surto-supressão é apenas um marcador de vulnerabilidade neurológica ao trauma cirúrgico ou se há uma relação de causalidade entre a dose dos agentes anestésicos e a ocorrência de delirium (4, 6), a prática mais comum entre os anestesistas é evitar planos anestésicos profundos.


Este trabalho publicado pelo grupo de Patrick Purdon em 2020 (1), que me foi indicado pelo Dr Rogean Rodrigues Nunes, demonstrou de maneira bastante convincente o valor de um parâmetro que permite antecipar esse risco: a potência dos fusos frontais na faixa alfa (8-12Hz) durante a anestesia.


Além disso, os autores propuseram mecanismos elegantes que associam, em pacientes com "cérebro vulnerável", uma redução do suporte metabólico que astrócitos fornecem a neurônios como determinante tanto para a redução dos fusos frontais mediados por circuitos tálamo-corticais em que anestésicos agem como pelo aparecimento de períodos de surto-supressão.


O trabalho analisou 155 pacientes (95 com sevoflurane e 60 com propofol como anestésico principal. 24.5% entraram em surto-supressão em algum momento) e foi cuidadoso a ponto de registrar outros fatores que pudessem influir na ocorrência de surto-supressão ou de redução de potência alfa, como episódios de hipotensão no intra-operatório, idade e dose de agente anestésico, e considerá-los no modelo estatístico ao construir curvas ROC que analisassem o valor clínico do parâmetro.


Como ilustrado nos gráficos abaixo, potências alfa abaixo de 2dBs são associadas a probabilidade acima de 50% do paciente entrar em surto-supressão. Para cada 1 dB de redução de potência alfa a probabilidade de entrar em surto-supressão aumenta 1.33 (1).


Curvas do trabalho de Purdon relacionando a potência dos fusos alfa frontais à probabilidade de entrar em surto-supressão

Tela do Neuro-IOM.NET registrando, ás 10:19, potência de 18.7 dBs na banda alfa de 8-12Hz e 27.9 dBs na banda total de 0.5 a 30Hz. Na Tela da direita o SEF 50% da banda alfa é exibido

Importante: notem que, no estudo de Purdon, a potência alfa foi calculada com base em montagens Fp1, Fp2, F7 e F8 referenciadas com eletrodo 1cm acima de Fpz e o cálculo da potência do espectro foi feito com base na promediação dessas 4 montagens, algo que representa melhor a potência em Fpz com referencial em eletrodos vizinhos, o que resulta em amplitudes e potências bem menores que as usadas nas imagens acima (Cpz-Fz). Para usar os parâmetros de Purdon para prever supressão e delirium é necessário usar a mesma montagem.



 

Referências:


1. Shao YR, Kahali P, Houle TT, Deng H, Colvin C, Dickerson BC, Brown EN, Purdon PL. Low Frontal Alpha Power Is Associated With the Propensity for Burst Suppression: An Electroencephalogram Phenotype for a "Vulnerable Brain". Anesth Analg. 2020 Nov;131(5):1529-1539. doi: 10.1213/ANE.0000000000004781. PMID: 33079876; PMCID: PMC7553194.

"After adjusting for propofol bolus rate, for each 1 dB decrease in alpha power, the odds of experiencing burst suppression increase by 1.33-fold"


2. Soehle M, Dittmann A, Ellerkmann RK, Baumgarten G, Putensen C, Guenther U. Intraoperative burst suppression is associated with postoperative delirium following cardiac surgery: a prospective, observational study. BMC Anesthesiol. 2015 Apr 28;15:61. doi: 10.1186/s12871-015-0051-7. PMID: 25928189; PMCID: PMC4419445.


3. Fritz BA, Kalarickal PL, Maybrier HR, Muench MR, Dearth D, Chen Y, Escallier KE, Ben Abdallah A, Lin N, Avidan MS. Intraoperative Electroencephalogram Suppression Predicts Postoperative Delirium. Anesth Analg. 2016 Jan;122(1):234-42. doi: 10.1213/ANE.0000000000000989. PMID: 26418126; PMCID: PMC4684753.


4. Wildes TS, Mickle AM, Ben Abdallah A, Maybrier HR, Oberhaus J, Budelier TP, Kronzer A, McKinnon SL, Park D, Torres BA, Graetz TJ, Emmert DA, Palanca BJ, Goswami S, Jordan K, Lin N, Fritz BA, Stevens TW, Jacobsohn E, Schmitt EM, Inouye SK, Stark S, Lenze EJ, Avidan MS; ENGAGES Research Group. Effect of Electroencephalography-Guided Anesthetic Administration on Postoperative Delirium Among Older Adults Undergoing Major Surgery: The ENGAGES Randomized Clinical Trial. JAMA. 2019 Feb 5;321(5):473-483. doi: 10.1001/jama.2018.22005. PMID: 30721296; PMCID: PMC6439616.

"Electroencephalogram suppression during surgery has been associated with postoperative delirium. However, causality has not been established. Patients who are susceptible to delirium could coincidentally be prone to electroencephalogram suppression during general anesthesia."


5. Pérez-Otal B, Aragón-Benedí C, Pascual-Bellosta A, Ortega-Lucea S, Martínez-Ubieto J, Ramírez-Rodríguez JM; Research Group in Anaesthesia, Resuscitation, and Perioperative Medicine of Institute for Health Research Aragón (ISS Aragón). Neuromonitoring depth of anesthesia and its association with postoperative delirium. Sci Rep. 2022 Jul 26;12(1):12703. doi: 10.1038/s41598-022-16466-y. PMID: 35882875; PMCID: PMC9325758.

"This entity has traditionally been regarded as a transient illness, however developing delirium in the early postoperative course is associated with long-term consequences, including increased mortality, prolonged hospitalization, discharge to an institution, and long-term cognitive decline and dementia"


"This entity [Delirium] is a frequent complication, with an incidence ranging between 17 and 61%."


"One of the main difficulties regarding delirium is the variability in its diagnosis, and they exist an important underdiagnosis, particularly for the hypoactive delirium group".


"Even though the hyperactive type is easier to diagnose due to its striking symptomatology, this only represents 20% of the total, while hypoactive delirium represents over 50%, but is the most underdiagnosed subtype due to its characteristics. An early diagnosis is essential for this subtype because it presents a worse prognosis, probably due to a delay in treatment and its high mortality"


6. Docherty AB, Shenkin SD. Cognitive decline after surgery and anaesthesia: correlation does not mean causation. Anaesthesia. 2016 Oct;71(10):1131-5. doi: 10.1111/anae.13592. Epub 2016 Aug 19. PMID: 27538826.

"Delirium can be transient or prolonged, and strongly predicts future new-onset dementia (there is an eight fold increased risk), and may accelerate existing dementia"


7. Davis DH, Muniz Terrera G, Keage H, Rahkonen T, Oinas M, Matthews FE, Cunningham C, Polvikoski T, Sulkava R, MacLullich AM, Brayne C. Delirium is a strong risk factor for dementia in the oldest-old: a population-based cohort study. Brain. 2012 Sep;135(Pt 9):2809-16. doi: 10.1093/brain/aws190. Epub 2012 Aug 9. PMID: 22879644; PMCID: PMC3437024.


8. Patel D, Lunn AD, Smith AD, Lehmann DJ, Dorrington KL. Cognitive decline in the elderly after surgery and anaesthesia: results from the Oxford Project to Investigate Memory and Ageing (OPTIMA) cohort. Anaesthesia. 2016 Oct;71(10):1144-52. doi: 10.1111/anae.13571. Epub 2016 Aug 8. PMID: 27501155; PMCID: PMC5213281.

Nota: estudo com 394 idosos (média de 72 anos), 109 deles submetidos a cirurgias de porte médio ou grande, 36 deles com distúrbio cognitivo leve prévio, acompanhados em média por 4 anos. "Cognitive decline appears to accelerate after surgery in elderly patients diagnosed with cognitive impairment, but not other elderly patients"


9. Mahanna-Gabrielli E, Schenning KJ, Eriksson LI, Browndyke JN, Wright CB, Culley DJ, Evered L, Scott DA, Wang NY, Brown CH 4th, Oh E, Purdon P, Inouye S, Berger M, Whittington RA, Price CC, Deiner S. State of the clinical science of perioperative brain health: report from the American Society of Anesthesiologists Brain Health Initiative Summit 2018. Br J Anaesth. 2019 Oct;123(4):464-478. doi: 10.1016/j.bja.2019.07.004. Epub 2019 Aug 19. Erratum in: Br J Anaesth. 2019 Dec;123(6):917. PMID: 31439308; PMCID: PMC6871269.

Nota: recomendações de encontro da ASA para discutir a ciência da "cognição perioperatória" que emergiu para explicar relatos de pacientes que "nunca foram os mesmos" após um procedimento cirúrgico.


Nomenclatura sugerida: PND (perioperative neurocognitive disorders) incluem Delirium (POD - até 7 dias do pós-operatório), dNCR ('delayed neurocognitive recovery' - até 30 dias do pós-operatório) ou NDC (desordem neurocognitiva pós-operatória caso se manifeste e persista, tipicamente por mais de 30 dias após anestesia e cirurgia, porém com algumas definições com base em persistência até 12 meses). POCD (desordem cognitva pós-operatória): sugerem que seja restrito a diagnósticos baseados em testes cognitivos, tipicamente focados em funções executivas e memória, sem base em definições clínicas ou de prejuízo funcional.

Fatores de risco: Para POD os fatores mais bem estudados: 5 fatores "maiores" (>65 anos, declínio cognitivo prévio, déficit visual ou auditivo, doença severa, infecção) e fatores adicionais (distúrbio metabólico, polimedicado, desidratação, desnutrição, dor crônica mal controlada, limitação funcional, depressão, abuso de álcool, distúrbios de sono). Fatores desencadeantes: cirurgia longa, de urgência e mais invasiva. Para NDC: idade avançada, baixo nível educacional (menor "reserva cognitiva"), distúrbio cognitivo prévio (frequentemente não identificado), AVC prévio (mesmo sem déficit residual), RM com hiperintensidades em substância branca e infartos subclínicos aumenta risco, mas atrofia regional ou global não aumenta (com base em revisão de população de 1422 pacientes, com associação mais clara em cirurgias cardíacas).

Fisiopatologia: 1) Metabólica-oxidativa (POD): Anormalidade no metabolismo celular oxidativo altera neurotransmissão. 2) Inflamatória sistêmica (POD): citocinas inflamatórias em resposta ao trauma cirúrgico (resposta de estresse mediada pelo eixo HHA) altera neurotransmissão. 3) Neuroinflamação (POD, NDC): Citou 4 estudos que encontraram marcadores inflamatórios em CSF. 4) Aceleração de quadro previamente sub-clínico de Alzheimer ou Demência vascular (POD, NDC). Múltiplos mecanismos, como neuro-inflamação, eventos de hipoperfusão e alteração em barreira hematoencefálica podem, sinergisticamente, contribuir para o declínio cognitivo. Diversas técnicas de imunomodulação, no entanto, falharam em reduzir a incidência de declínio cognitivo.

"In contrast, studies that have examined modulating or blocking inflammation have thus far failed to reduce POCD."

Anestesia guiada por EEG processado pode reduzir incidência de POD? No estudo ENGAGES não reduziu, mas no estudo CODA reduziu. Um diferença entre estes foi que no estudo CODA a redução médida de inalatório foi de 0.36 MAC, já no ENGAGES a redução foi de 0.11 MAC.


10. Rudolph JL, Marcantonio ER. Review articles: postoperative delirium: acute change with long-term implications. Anesth Analg. 2011 May;112(5):1202-11. doi: 10.1213/ANE.0b013e3182147f6d. Epub 2011 Apr 7. PMID: 21474660; PMCID: PMC3090222.

Nota: "For example in the cardiac surgery literature the methods used for delirium greatly influence the reported incidence of delirium: chart review only (3%)12, delirium noted during routine clinical care (8%), interviews with nurses (9%), and daily mental status testing and application of a validated diagnostic algorithm (53%)."


11. Al-Qudah AM, Ta'ani OA, Thirumala PD, Sultan I, Visweswaran S, Nadkarni N, Kiselevskaya V, Crammond DJ, Balzer J, Anetakis KM, Shandal V, Subramaniam K, Subramanium B, Sadhasivam S. Role of Intraoperative Neuromonitoring to Predict Postoperative Delirium in Cardiovascular Surgery. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2024 Feb;38(2):526-533. doi: 10.1053/j.jvca.2023.09.010. Epub 2023 Sep 12. PMID: 37838509.

Nota: eventos de redução de fluxo sanguíneo cerebral aumentam o risco de delirium de forma mais acentuada em sujeitos com baixa reserva cerebro-vascular. EEG e SSEP monitorizados continuamente durante as cirurgias servem como indicadores de fluxo e já foi demonstrado que podem detectar eventos ou risco elevado de AVC. Neste estudo retrospectivo de 578 cirurgias (mais comuns: 31% Aorta ascendente, 28% endearterectomia carotídea, 11% raiz de aorta, 9% válvula aórtica) procuram avaliar o valor preditor de alterações em EEG ou SSEP para delirium entre pacientes onde o escore ICSDS (Intensive care delirium screening checklist). ICSDS≥4 indica Delirium. Foram consideradosalterados, ao EEG, queda de 50% em frequências rápidas, aumento de 50% em ritmos theta e delta e ao SSEP queda de 50% de amplitude. Delirium observado em 21.8% (n=126). Especificidade e sensibilidade foram: alterações em EEG (especificidade 89%, sensibilidade 21%, n=76, POD 26), SSEP (esp 86%, sens 31%, n=103, POD 39), EEG+SSEP (esp 95%, sens 13%, n=45, POD 16), EEG ou SSEP (esp 81%, sens 39%, n=134, POD 49).


12. Avidan MS, Fritz BA, Maybrier HR, Muench MR, Escallier KE, Chen Y, Ben Abdallah A, Veselis RA, Hudetz JA, Pagel PS, Noh G, Pryor K, Kaiser H, Arya VK, Pong R, Jacobsohn E, Grocott HP, Choi S, Downey RJ, Inouye SK, Mashour GA. The Prevention of Delirium and Complications Associated with Surgical Treatments (PODCAST) study: protocol for an international multicentre randomised controlled trial. BMJ Open. 2014 Sep 17;4(9):e005651. doi: 10.1136/bmjopen-2014-005651. PMID: 25231491; PMCID: PMC4166247.

Nota: entre pacientes acima de 60 anos, incidência de delirium foi de 10 a 70%.


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